Porque Batman VS Superman é um filme grande demais para mentes pequenas?

Por Marcelo Lyra

Muito foi dito sobre o filme que se propôs a introduzir o Universo Estendido da DC para as novas gerações devido a ‘n’ fatores - desde a sua parte técnica até o próprio visual da obra. Os fãs adoraram o filme pelo (ab)uso de referências a quadrinhos e os críticos o rechaçaram pelo ab(uso) de esteticismo, excesso de computação gráfica e afins... mas pouco vi falarem sobre aquela que eu considero como sendo uma das maiores razões para o filme não ter dado tão certo quanto podia: “Batman VS Superman: a origem da Justiça” é um filme grande demais para mentes pequenas.

Apenas com fins de esclarecimento: a expressão ‘mentes pequenas’ aqui empregada se refere àquelas pessoas que foram aos cinema buscando, somente, o entretenimento e acabaram por se confrontar com o desafio de se esforçarem para tentar entender os elementos ali mostrados.

A minha impressão é de que os responsáveis pelo filme cavaram um poço tão fundo para encontrar algo de valor que não conseguiram mais enxergar a luz que vinha da superfície. Ficaram presos no simbolismo e não conseguiram avançar para a parte mais importante: comunicar ao público os significados do filme. Como diria o Comissário Gordon no quadrinho The Dark Knight returns: “Ele saltou para trás e para frente na minha cabeça até que eu percebi que não poderia julgá-lo. [...] Ele era muito grande...”.

Explicando Batman VS Superman, o filme é, basicamente, composto por três tipos de simbolismo: filosófico, psicanalítico e mitológico-religioso.

No que diz respeito à parte filosófica, Lex Luthor citou, no filme, a frase do filósofo alemão F. W. Nietzsche: “Deus morreu”. Tal como o escritor, ele acredita que a justiça é a conveniência dos fortes. Mais especificamente, do homem mais forte que a sua visão aristocrática de mundo poderia conceber: o Übermensh (ou: Super-Homem).

O Super-Homem (ou Homem-Superior) descrito por Nietzsche seria o homem que iria matar Deus e renegar até mesmo a ciência se preciso fosse para ser o homem que se superou a ponto de potencializar além de sua própria humanidade, transvalorizando os valores antigos em novos.

Sempre se pensara que o Superman fosse o Übermensh nietzschiano, mas o herói foi criado por autores judeus que queriam um personagem messiânico e qualquer exemplo de sacrifício piedoso é o que o filósofo chamaria de ‘moral de escravo’, o extremo oposto do que propunha o seu Homem-Superior. Mas, se o Superman não é esse Super-Homem, então quem é? Por incrível que pareça, dois personagens competem, no filme, por essa alcunha: Batman (ou: o ‘Homem Revoltado’ descrito pelo filósofo Albert Camus) e Lex Luthor.

Psicanaliticamente falando: na obra ‘O Homem Revoltado’, o escritor Camus mostra que há um tipo de revolta na qual o indivíduo deseja se igualar à imagem do pai, às vezes Deus, e passa a lutar contra ele. Denomina tal fenômeno de ‘revolta metafísica’. O Homem Revoltado é, resumidamente, aquele que se indigna por sua condição absurda de fraqueza. Bruce Wayne se sente fraco, pois se não tivesse tanto medo, seus pais poderiam estar vivos. Ele, de fato, aprecia a ideia de um mundo melhor, mas descobre que criminosos são como uma hidra: arranque uma cabeça e outra, mais forte, crescerá no lugar... e é, exatamente, isso que o revolta.

É como se o Homem-Morcego fosse, na verdade, Sísifo da mitologia grega, o qual fora condenado a empurrar uma pedra até o topo de uma montanha, sendo que a pedra sempre voltava a rolar para baixo: trata-se de uma sina eterna.

Tal como Lex Luthor, Batman tem, ao mesmo tempo, inveja e raiva de Deus, visto que este tem o poder de mudar a realidade da vida e da morte, mas só o faz a seu favor e não ao dos homens. Batman está tão revoltado com a sensação de inferioridade que fala o tempo todo que Superman não é Deus, mas uma fraude que sangra e, apesar de ter perdido os pais, Bruce também se revolta com o Filho de Krypton pelo seu poder absurdo lhe parecer paternalista, como se quisesse tomar o lugar de seu pai. Luthor também compartilha de semelhante problema: no filme, ele fala como era maltratado pelo pai e que Deus não o ajudou. Com o escritor, Nietzsche, não foi diferente: ele era filho de um pastor Luterano que o reprimiu muito e passou a não gostar de religião.

No final das contas, Batman se identificou com aquele que tratam como um Deus, mas que pensa como homem e se revoltou, então, contra aquele que conseguiu o posto de Homem-Superior por evocar a ciência contra Deus ao mesmo tempo em que a chamou de ‘diabo’: Lex Luthor.

Religiosamente, Superman se mostrou, na verdade, como um Messias ao ‘morrer’ contra o Apocalypse, tanto que o Batman quer matá-lo com uma lança da mais pura kryptonita. Cristo, segundo o Evangelho de João, teve uma lança enfiada em seu corpo por um soldado romano e dela saiu água ao invés de sangue. Essa água poderia ser uma alusão à cerimônia do batismo. No caso do filme, Superman saindo das águas com a lança de kryptonita e/ou Lex Luthor ritualizando seu próprio Frankenstein. Mais do que isso: Superman é o próprio Atlas, carregando o peso de um mundo inteiro nas costas.

Batman VS Superman poderia ter sido muito melhor do que foi, mas preferiu, infelizmente, ser mais profundo do que comunicativo.