REPRESENTANTES DO GAM PALESTRAM PARA O GRUPO FORÇA DEMOCRÁTICA RN

Atendendo a gentil solicitação do grupo Força Democrática RN, o GAM enviou dois de seus membros para proferir uma palestra sobre os dois primeiros capítulos do livro “As seis lições”, de Ludwig von Mises. O evento foi realizado ontem, 16 de dezembro, às 19:30h, no Chaplin Recepções, em Natal/RN.

Abrindo os trabalhos do evento, João Luzardo falou sobre o primeiro capítulo, que trata sobre o Capitalismo, seguido por Júnior Martins, que fez a exposição sobre o capítulo dois, que trata sobre o Socialismo.

Por mais de duas horas, os palestrantes apresentaram para um público estimado em cinquenta pessoas, não só a visão de Mises sobre estes dois tópicos, mas também uma contextualização com a atualidade brasileira, suscitando amplos debates entre os participantes da reunião. No final, ficou a contribuição para a tomada de consciência do grave estado em que se encontra a economia e a liberdade no país, bem como os remédios propostos pela Escola Austríaca para sair da crise econômica e institucional pela qual atravessamos.

O GAM agradece de público o convite formulado pela Coordenação do grupo Força Democrática RN e se mantém à disposição para colaborar com a realização de outros eventos desta natureza.

CONSELHO EXECUTIVO










Sócrates e o Oitavo Mandamento: uma investigação acerca do falso testemunho e da mentira justa

Por Douglas Cavalheiro (*)

O julgamento de Sócrates foi fruto do falso testemunho. Acusado de não acreditar nos deuses da cidade, de propor a criação de novos deuses e de corromper a juventude, Sócrates demonstra durante sua Apologia que essas acusações são consequências diretas de ações caluniosas da difamação realizada pela peça "As Nuvens" de Aristófanes, o qual afirmava que Sócrates recebia dinheiro pelos seus ensinamentos, que seriam nada mais que técnicas retóricas para o engano de jovens.

Segundo o oitavo mandamento, é pecado a prática de acusações "em falso testemunho contra o teu próximo" (como pode-se notar, este mandamento está em analogia com o mandamento cristão de "ama teu próximo como a ti mesmo").

O perjúrio é a última etapa do processo da formação do falso testemunho.  A primeira etapa são as fofocas e boatos que surgem de maneira informal, com finalidade de estabelecer uma discussão de zombaria diante de características exóticas do próximo. Esse processo de difamação informal se torna mais profundo no momento em que surgem as calúnias. A segunda etapa é quando surgem provas materiais, "hoax" que justifiquem as fofocas. Desta forma, as histórias expandem-se na sociedade, realizando, então, a terceira etapa: a formação de juízos temerários. A opinião pública começa a rejeitar determinada pessoa, ou grupo social, devido à ampla consolidação no imaginário social gerado pela divulgação das provas caluniosas baseadas em boatos. A fase final do processo de difamação é quando esta pessoa caluniada encontra-se em julgamento para responder diante as provas falsas, e outras pessoas testemunham contra o réu, tal como Sócrates, e a faz encontrar o fim de sua vida. O oitavo mandamento trata de uma condenação não apenas aos que se prestam em testemunha em falso, mas para todo esse processo de difamação.

Dessa forma, é evidente que a mentira que prejudica ao próximo é algo pecaminoso, maléfico e imoral. Para ela aplica-se a mais árdua das penitências àqueles que são condenados: catar todas as "penas espalhadas ao vento". Todavia, haveria uma maneira de mentira benéfica? Uma mentira justa?



A mentira como auxílio ao próximo ocorre muitas vezes na maneira de lisonja. Mas isso também configura outro falso testemunho, visto que o adulador age de má-fé, alimentando o ego alheio de irrealidades com o objetivo de conseguir algum favor em troca. Por isso, para Kant não haveria um suposto direito de mentir por amor à humanidade, pois não há nenhuma mentira racionalmente válida para justificar sua existência. Todos teriam, segundo Kant, um direito de saber a verdade e, simultaneamente, o dever imperativo de sempre comunicá-la. Para Kant, seria injusto mentir até mesmo para ajudar uma pessoa que estivesse em apuros. No mundo do absolutismo moral de Kant, apenas se justificaram as leis racionalmente válidas, mais próximas da verdade do que os mandamentos divinos, que seriam baseados na fé e no sentimento religioso.

Aristóteles já sabia que era impossível obter a fórmula mágica da racionalidade ética contra a mentira, pois "ninguém jamais irá acreditar em alguém que afirme nunca ter mentido". Kant queria buscar uma ciência da ética através de uma norma universal, o imperativo categórico. Dessa maneira, Kant achava possível combater o relativismo moral promulgado por Nicolau Maquiavel, que justificava o poder dos governantes em utilizar a mentira ao seu favor. Kant identifica essa maneira de agir com os governos autoritários, pois mentir seria uma perversão da faculdade da expressão e comunicação, gerando assim um sentimento de desconfiança generalizado na sociedade, facilitando o processo de formação de tiranias. Para Kant a ordem social poderia ser mantida apenas através da verdade.

Porém, a ética deontológica kantiana refunda uma nova maneira de absolutismo político através do império da ordem moral. Caso Kant tivesse um judeu escondido em sua casa, ele respeita mais o suposto direito de verdade que o agente da Gestapo possui, do que a vida de um judeu que muito provavelmente morreria numa câmara de gás. Kant recriou a tirania, substituindo o discurso do mandamento divino para uma fundamentação racional. Diante de tudo isso, sábio foi Aristóteles, ciente da impossibilidade da formula universal da verdade, se poderia afirmar que o imperativo categórico trata-se de mais uma das sedutoras mentiras de nossa trágica modernidade.

(*) Texto apresentado na XVI reunião ordinária do GAM, realizada em 19 de novembro de 2014.

Niilismo, a segunda Queda

Por Arthur Dutra (*)

I - O niilismo

- Fórmula global: “Deus está morto!”. Formulação que ultrapassa o mero ateísmo, conforme disse Heidegger no ensaio “A sentença de Nietzche”.

- A sistematização de Nietzsche;
- A vontade de potência como superação do niilismo;
- O super-homem de Nietzsche (correspondência do Raskólnikov, de Crime e Castigo).

- O niilismo como ideal de suprema potência num mundo onde todos os valores se desvalorizam, os valores serão selecionados a partir de um ponto de vista que permita não só a conservação e o aumento do poder do homem, mas a transformação dele num super-homem. A melhor ilustração para o fenômeno foi dada por Dostoiévski na figura de Raskolnikov, e de três personagens de Os Demônios:

- Kirillov, encarnando o niilismo filosófico ao pretender tornar-se Deus ao se matar;
- Stravóguin, encarnando o niilismo existencial, aplicado às suas relações sociais;
- Piotr Vierkóvienski, aplicando o niilismo no campo político-revolucionário (morte de Chátov).


III – A segunda Queda

a)    Correspondência bíblica: o Pecado Original, a raiz primeira de todos os males.

“397. Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador (273). Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem (274). Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade.

398. Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente «divinizado» por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis «ser como Deus»(275), mas «sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deus» (276).”

Catecismo da Igreja Católica

"O Pecado Original", por Michelângelo


b)    A origem do Mal e sua presença no mundo. A queda dos anjos

- Santo Agostinho e o encontro com o Mal através do supremo bem em Jesus Cristo. Somente a experiência do Bem dá ao homem a condição de enxergar o verdadeiro Mal.

- Daí porque a “morte de Deus” anunciada por Nietzsche traz como consequência imediata a exclusão da distinção entre bem e mal, razão pela qual o relativismo mostra-se como uma praga destrutiva num mundo em que o homem é a medida de todas as coisas, guiado por sua vontade de potência num mundo onde nada faz sentido.

Porque «o mistério da iniquidade» (2 Ts 2, 7) só se esclarece à luz do «mistério da piedade» (259). A revelação do amor divino em Cristo manifestou, ao mesmo tempo, a extensão do mal e a superabundância da graça

Catecismo da Igreja Católica


c)    A Queda como o primeiro sinal da desconfiança com Deus;


d)    Homem x Deus

- Adão quer se equiparar a Deus: “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.”, Gênesis 3,5.

- Nietzsche quer superar Deus e a própria transcendência: “Deus está morto”.


e)   O passo adiante do niilismo

- Os dez novos pecados criados pelo niilismo. A progressividade do pecado. Citação de Santo Atanásio, página 130.

Todos os homens estão implicados no pecado de Adão”, diz o Catecismo da Igreja Católica, mas só alguns dão o passo adiante do niilismo, seja por vontade, seja por ignorância maleficamente induzida.


f)     A raiz demoníaca do niilismo

- O demônio para Adão: desobedece a Deus e serás como Deus. E o homem caiu, mas Deus enviou Jesus Cristo para oferecer redenção, visto que não seria coerente deixar que sua obra fosse tragada pela ação demoníaca.

- Mas nem a morte nem a presença do Verbo Encarnado foram ainda suficientes para fazer com que o homem confiasse totalmente em Deus. Ele foi adiante nas tentações do demônio.

- Depois de Cristo, o demônio, vendo que Deus ainda habitava os corações dos homens, diz: descrê de Deus e do céu e serás, tu mesmo, o próprio Deus. “Deus está morto”.

- A imensidão dos desdobramentos desta ideia satânica conduz à seguinte pergunta: esta segunda proposta do Diabo seria a segunda Queda, aquela que vai desencadear o retorno de Cristo para o Juízo Final?


III – A cura – JESUS CRISTO

- Embora Reale nos sugira a cura oferecida pelos antigos, temos no Ocidente outro meio de nos salvar do Mal causado pelo niilismo: Jesus Cristo.


Depois da Queda o homem não foi abandonado por Deus”.

Catecismo da Igreja Católica


Competia-lhe reconduzir o corruptível à incorrupção, e salvar o que convinha ao Pai em todas as coisas. Ele, o Verbo de Deus, acima de tudo, era o único, portanto, capaz de refazer todas as coisas, de sofrer por todos, se der em favor de todos digno embaixador junto do Pai”.

Santo Atanásio, p. 133


- Se com o Pecado Original o Diabo prometeu aos homens que se eles desobedececem a Deus, enxergariam a distinção do bem com o mal, com o niilismo ele colocou o véu que o fez cegar para ambos, desorientando-o num mundo sem referências. Só Cristo será capaz de fazê-lo voltar a enxergar, pela Graça, a extensão do Mal através da comparação com o Bem oferecido pelo Pai através Dele, Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus.

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Referências bibliográficas

- REALE. Giovanni. O Saber dos Antigos. Terapia para os tempos atuais. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

- Catecismo da Igreja Católica. Edição típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

- ATANÁSIO. Santo. Contra os pagãos e outros escritos. São Paulo: Paulus, 2002.

- PONDÉ. Luiz Felipe. Do pensamento no deserto: Ensaios de Filosofia e Literatura. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.

- AQUINO. Santo Tomás. Exposição sobre o Credo. São Paulo: Edições Loyola, 2006.


(*) Roteiro da apresentação do Prólogo do livro "O saber dos antigos", de Giovanni Reale, apresentado na reunião do dia 3 de dezembro de 2014. Releitura do capítulo à luz do Livro do Gênesis.



Ideologismo e esquecimento do Verdadeiro

Por Aluizio Neto (*)

- Introdução

Meus colegas que apresentaram anteriormente se delongaram bastante sobre a temática Nietzsche, o niilismo e as consequências que idéias têm na história humana. Desse modo, falarei de maneira mais livre sobre esses assuntos.

 Com frequência, na história moderna, fatos são esmagados por idéias e não o contrário. Tenho uma má notícia que foi dada 200 anos atrás por Burke: ”se uma grande mudança é para ser feita nos assuntos humanos, as mentes dos homens adaptar-se-ão a ela, as opiniões e os sentimentos gerais confluirão para esse destino. Todos os medos, todas as esperanças a seguirão; e aqueles que persistirem em se opor à esta poderosa corrente nos assuntos humanos parecerão resistir aos próprios decretos da Providência e não tanto aos meros desígnios dos homens. Não serão resolutos e firmes, mas perversos e obstinados”. A parte positiva é que a mente do cidadão[1] não deve se limitar ao imediatismo, mas sempre tentar observar o panorama maior que tem a chave explicativa do presente. Se o fizer poderá perceber que o ideologismo propagado por Karl Marx contém a própria semente do niilismo ou do fim das ideologias que lhe sucede. Pois se nada é necessariamente verdadeiro e os Direitos do homem são apenas uma superestrutura criada unicamente pra legitimar a dominação burguesa no Ocidente, porque alguém se arriscaria à defender o que quer que seja? As bases supostamente científicas do pensamento marxista não sobreviveram ao teste do tempo e caíram no esquecimento, levando por baixo a credibilidade da ideologia. O que restou? Apenas a propaganda. Frente à esses inimigos o convervadorismo emerge como a tentativa de defesa do “contrato primitivo da sociedade eterna” ( Burke) ou como preferia Chesterton, “a democracia dos mortos”. É o verdadeiro humanismo o que reconhece a posição humilde do homem frente à Deus. Frente a isso o humanismo de Erasmo de Roterdã e Galileu não são nem o culto às idéias de homens mortos, mas o culto à palavras escritas em livros empoeirados por homens mortos.


- Ideologia e sua relação com o conservadorismo

Ideologia significa basicamente a crença que o mundo pode ter todas as suas tensões eliminadas e ser convertido num tipo de Paraíso a partir da ação da lei positiva e do planejamento seguro. Nesse sentido, o conservadorismo não é uma ideologia, pois não têm um corpo de idéias fixo nem uma unidade de propostas políticas. É bastante complicado definir o que é o conservadorismo, e no “conservative mind” (livro do Kirk o qual inicia uma era em que o conservadorismo norteamericano adquire notoriedade e uma certa identidade comum), o autor descreve os conservadores como pessoas unidas por uma intuição fundada em ideais universais divididos em seis aspectos. A parte irônica que ilustra a dificuldade em apontar o que o conservadorismo kirkeano defende é que o próprio Russel Kirk utiliza de uma categorização diferente e até um pouco contraditória em edição posterior.

Segundo Platão o princípio fundamental da Política é a Prudência (“fronesis”). Como erigir um corpo de princípios subjacentes à este? Me arvorei na divisão feita por João Pereira Coutinho que segue abaixo.

- Imperfeição humana: é basicamente compreender as limitações intelectuais que partilha mais ou menos equitativamente todos os membros da humanidade. Basicamente, é saber que não é possível reduzir os problemas de uma comunidade política à uma dúzia de postulados ou equações que a razão humana iria resolver por si só.

- Sentido da realidade: “Por mais absorto que um general esteja na elaboração de suas estratégias, às vezes é importante levar em consideração o inimigo” Churchill. Nas palavras de Burke: “as circunstâncias dão a cada princípio político a sua cor distinta e efeito discriminatório”. Um estadista deve sempre conhecer as circunstâncias nas quais se inscreve a possibilidade de ação política, pois deve-se levar em conta a situação como ela é e não como deveria ser à luz de nossa própria forma mentis. Parece óbvio mas é extremamente urgente que se brade do alto dos telhados.

- Os testes do tempo: Não há que se falar em arqueologias ou precedência dos mortos sobre os vivos, simplesmente a constatação que as tradições políticas fruto de uma escolha coletiva consciente que sobreviveram à passagem do tempo não devem ser desprezadas. Mesmo que sejam imperfeitas a experiência histórica contribui para o aperfeiçoamento das instituições. Como diz o adágio popular: “é melhor um diabo que você conhece, do que um que não se conhece”.

- A reforma prudente: Aquilo que não pode ser mudado não tardará por padecer devido à sua falta de vitalidade, o que foi entendido como bom um dia se tornará uma prisão tirânica ( ou seja, mudará). O político conservador pode ter um plano de reforma social com base em seus valores, mas que nunca perca de vista que a comunidade é um ser que tem vida e reage. Tentar pôr em prática planos sem procurar saber o que o povo acha disso é no mínimo temerário. A reforma feita passo-a-passo pode evitar os medos que habitam no desconhecido.

- Sociedade de comércio: O mal do liberalismo se dá quando o mesmo reduz as relações pessoais a critérios “economicistas”, de ganhos e perdas, sem outras considerações valorativas. A sociedade comercial produziria uma “sociedade de filisteus”, como diria Heine. Essa é a acusação sofrida por Tatcher em seu governo, de que reduziria os problemas do Estado em meras contas de supermercado. O problema é que tudo que a “Dama de Ferro” fez foi continuar uma tradição inglesa muito antiga de entender o mercado como um “sistema de liberdade natural” (Smith). O conservadorismo deve começar a respeitar a vontade dos homens e não impor autoritariamente um sistema de preferências e valores que devem ser soberanos. (anedota do Kirk)

Fatos interessantes: Russel Kirk criticou o uso de bombas nucleares contra o Japão durante a Segunda Guerra Mundial, censurou a atuação do senador Joseph R. McCarthy (1908-1957) na caça aos comunistas, notar os defeitos gerados pelo conformismo do chamado “American Way of Life”, desaprovar a doutrina da guerra preventiva e a entrada dos EUA na guerra do Vietnã. Apoiou inclusive a candidatura de Patrick Buchanan nas primárias do Partido Republicano em 1992 como uma forma de demonstrar desaprovação às direções tomadas pela administração de Gerge Herbert W. Bush tanto na política interna quanto externa. Margareth Tatcher foi amplamente criticada por políticos conservadores que se diziam herdeiros do pensamento burkeano porque não aceitavam as mudanças da Primeiro-ministra, dentre outras coisas, com relação aos sindicatos ingleses, taxando-a de “neoliberal” (seja lá o que isso for). Winston Churchill apoiou o bombardeio deliberado de civis alemães na WW2. O último livro provavelmente que Adolf Hitler leu foi a biografia de Frederico 2 da Prússia, escrita por Josef de Maistre. Por fim, Patrick Buchanan[2] escreve um livro chamado “Churchill, Hitler e a guerra desnecessária” em que argumenta várias questões demonstrando que Hitler não queria uma guerra mundial nem dominar toda a Europa e comenta vários erros estratégicos de Churchill.

O conservadorismo seria uma ideologia diferente das demais, mesmo as mais moderadas, devido ao seu caráter posicional ou reativo. Na medida em que os fundamentos de uma sociedade livre são ameaçados é que a ideologia conservadora se mostra. É por esse motivo que a maioria dos conservadores nega-se a definir seu posicionamento político usando termos técnicos ou científicos. A prudência alerta sobre a desnecessidade em fazê-lo;

Samuel Huntington nos alerta: “Não existe uma distinção válida entre “mudar pra frente” e “mudar pra trás. Mudança é mudança; a história não se retrai nem se repete; e toda a mudança se afasta do status quo. À medida que o tempo passa, o ideal de reacionário distancia-se cada vez mais de qualquer sociedade real que tenha existido no passado. O passado é romantizado e, no fim, o reacionário acaba por defender o regresso a uma Idade de Ouro idealizada que de fato nunca existiu. Ele torna-se indistinguível de outros radicais, e normalmente exibe todas as características singulares da psicologia radical”.

Russel Kirk tinha consciência de que a conservação dos princípios mais valiosos da nossa civilização não irá ocorrer por intermédio da política partidária, mas pelo cultivo da imaginação e por um verdadeiro projeto educativo pautado no primado da família, na competição de currículos, na diversidade de instituições de ensino com ênfase em escolas independentes e na instrução de princípios morais. A educação obrigatória começou com o governo de Frederico II, segundo rei da Prússia, de orientação calvinista e tendência pietista. O ideal não era defender a liberdade e a igualdade ou de possibilitar cidadãos altamente capazes em raciocinar acerca do mundo ao seu redor, mas sim usar a educação para fins políticos. A moral religiosa foi trocada pelo senso de dever patriótico ou para a cidadania, obediência ao clero pela obediência ao Estado.

- A realidade como um aglomerado de símbolos e tensões

“Apenas a compreensão dos diferentes tipos de imaginação e dos conceitos destacados nos permite captar a essência do conservadorismo kirkeano, não como uma proposta política, mas como “um estilo de vida, forjado pela educação e pela cultura” que se expressa “numa forma de humanismo cristão, sustentado por uma concepção sacramental da realidade”, em que fatos e circunstâncias culturais, como a moral e instituições sociais, não são acidentes históricos, mas “desenvolvimentos necessários da própria natureza humana.”[3] É patente o quanto os valores defendidos pela educação compulsória estatal na maioria dos países ocidentais são totalmente avessos à educação liberal. Justamente porque o foco dos mesmos não é pessoal e na aprendizagem, mas um meio para reafirmar a ideologia estatal.

Segundo Russel Kirk: “O mal da desagregação normativa corrói a ordem no interior da pessoa e da república. Até reconhecermos a natureza dessa enfermidade, seremos forçados a afundar, cada vez mais, na desordem da alma e do Estado. O reestabelecimento das normas só pode começar quando nós, modernos, viermos a compreender a maneira pela qual nos afastamos das antigas verdades. A boa e má literaturas exercem influência poderosa sobre o caráter privado e sobre a organização política da sociedade. Teoria e prática políticas virtuosas possibilitam a manutenção e a melhora da virtude privada; a política desvirtuada irá, necessariamente, desvirtuar o caráter humano. Portanto, se a compreensão ética for ignorada nas letras e na política modernas, seremos deixados à mercê de um apetite privado descontrolado e de um poder político opressivo. Terminaremos nas trevas. Meu objetivo é auxiliar na reforma daquilo que Edmund Burke chamou de “guarda-roupa da imaginação moral”. Quando a imaginação moral se enriquece[4], as pessoas se percebem capazes de grandes coisas; quando ela é empobrecida, as pessoas não podem agir, com eficácia, nem pela própria sobrevivência, a despeito da abundância de recursos materiais. Não sugiro, nestas páginas, nenhuma panaceia, mas tento apontar o caminho para os princípios mais básicos. A maioria desses princípios é muito antiga, mas foi obscurecida pelo descaso”. Continua ele: “No processo de recuperação da normalidade, devemos compreender que a sociedade é “iluminada por um complexo simbolismo, com vários graus de compactação e diferenciação”, que são partes integrantes da realidade; por conta disso nossa tentativa de entendendimento da ordem deve ser elaborada “a partir do rico conjunto de autorrepresentações da sociedade”.


- Reflexões últimas

            No livro “A montanha mágica” de Thomas Mann, o conflito ideológico é personificado pelos debates entre Settembrini ( italiano humanista revolucionário) e Naphta ( ex-jesuíta reacionário que quer promover a revolução conservadora) que visam educar ou convencer o jovem Hans Castorp (paisano até então desinteressado por política). Ele reconhece os dois em pólos opostos no início, mas depois em uma das reflexões que muitas vezes eles se confundem numa pessoa só. O desfecho desses dois personagens se dá quando uma picuinha dá origem a um duelo de pistolas. Settembrini é incapaz de participar daquele ritual e não tem coragem de atirar, já Naphta hesita e acaba por deliberadamente atirar em si mesmo. O italiano, traumatizado, nunca se recupera do acontecido e poucos dias depois também morre.

Esse complexo simbolismo é o tema predominante dos grandes poetas e escritores da humanidade. O que os une é essa intuição não-imediata de uma ordem transcendente que os supera infinitamente, mas que escapa à definições científicas. Percebam que falamos daquilo que o paradigma “direita-esquerda” é totalmente ineficiente em identificar. É como tentar identificar pontos localizados em múltiplas dimensões a partir de um gráfico unicamente composto por um eixo horizontal X. Um bom exemplo de riqueza de imaginário conservador é T S Eliot, leitor voraz de Charles Maurras e Julien Benda, estudioso de religião comparada e hinduísmo, anglicano devoto e, ainda assim, autor profundamente admirado pelos católicos do século XX. A Bíblia tem a resposta pra esse caso emblemático: “O homem espiritual julga à todos e não é julgado por ninguém”.   
       
“A comunicação dos mortos se propaga – língua de fogo- para além da linguagem dos vivos” ultimo dos 4 Quartetos T S Eliot

Sócrates – Mas para quem realiza coisas belas, também é belo sofrer tudo o que for preciso. Fedro de Platão (274B)

Referências básicas:

- A era de T S Eliot, a imaginação moral do século XX. Russel Kirk
- Política da prudência. Russel Kirk
- As idéias conservadoras. João Pereira Coutinho
- Direito Natural e história. Leo Strauss
- A montanha mágia. Thomas Mann
- Ideologismo e esquecimento do verdadeiro. Giovanni Reale
- Origem da educação obrigatória: Um olhar sobre a Prússia. Filipe Rangel Celeti
Link: http://www.uniesp.edu.br/revista/revista13/pdf/artigos/06.pdf

(*) Texto apresentado na reunião ordinária do GAM em dia 23 de julho de 2014.



[1] Vale ressaltar que o conceito de filósofo na Modernidade, geralmente ideólogo ou aspirante à ideólogo do Estado em nada se coaduna com a visão grega do termo. Nesse sentido, não havia nenhum filósofo na Grécia Antiga. O que existiam eram homens que entendiam teorias filosóficas como inseparáveis da vida prática.
[2]  Político conservador americano muito importante, foi “Senior advisor” de vários presidentes americanos de sua época.
[3] Alex Catharino, Apresentação do livro “A era de T S Eliot” de Russel Kirk
[4] Imaginação moral é a que nos possibilita discernir acerca do que pode ser a pessoa humana apreendendo, por alegorias, a correta ordem da alma e a justa ordem da sociedade. Pode ser encontrada na literatura que encoraja a visão do homem segundo as religiões tradicionais (milenares).

Materialismo e Esquecimento do Ser

Por Arthur Dutra

1) Tipos de materialismo:

a) Materialismo físico-ontológico: Hobbes, século XVII

“Tudo o que é essência, ou de algum modo não é corpóreo, é excluído da filosofia”

Tudo o que existe é apenas realidade física. Nem a religião conserva seu caráter filosófico.


b) Materialismo histórico-dialético: Marx e Engels

“O que os indivíduos são depende, pois, das condições materiais de sua produção”.

Até o espírito e suas manifestações dependem da matéria


c) Niilismo de Nietzsche

“Se tudo passa, a transitoriedade é uma qualidade (‘a verdade’) e a duração e a imortalidade são apenas uma ilusão”. Nietzsche

Exclusão da metafísica com a morte simbólica de Deus


d) Desdobramentos do niilismo nietzscheano em Heidegger

“A morte de Deus significa a eliminação do ser supra-sensível e transcendente, a perda e o esquecimento do ser como tal”. G. Reale

O homem mata Deus para servir-se da matéria como meio disponível para a realização de sua vontade de potência. Esta é uma forma extrema de materialismo, pois é a elevação da matéria à categoria de divindade. É a própria doutrina do esquecimento do Ser.


2) Platão e o materialismo

a)      Descoberta do mundo inteligível a partir das observações dos filósofos naturalistas.
b)   O elemento material seria apenas uma concausa dos fenômenos do universo, regidos por Ideias e Princípios Supremos.


- A Segunda Navegação: o acesso ao mundo inteligível

“Chama-se segunda navegação aquela que alguém realiza quando, na ausência de vento, navega com os remos”. Eustásio

“A ‘Segunda Navegação’ platônica constitui uma conquista que assinala, em certo sentido, a etapa mais importante da história do pensamento ocidental, e inaugura a metafísica no sentido mais elevado e mais completo”. G. Reale

Razão: A distinção entre o mundo sensível e o mundo inteligível se baseará na busca do Ser, de uma Razão superior, ou Logoi, que determinará, desde um plano transcendente, o rumo de todos os acontecimentos, bem como será o fator ordenador e harmonizador de toda a desordem, de toda a contradição que informa a matéria.


- Princípios primeiros e supremos, localizados acima das Ideias (estrutura bipolar ordenadora da desordem do universo):

à o Um (de que deriva o vem)
à a Diáde indefinida grande-e-pequena (de que deriva a multiplicidade, a desordem e o Mal)

“Mas o deus de Platão não é a Ordem, e sim o Ordenador, ou seja, a Inteligência que imprime na desordem a ordem, submetendo e subjugando a desordem na medida do possível, de modo que o universo se torne ‘cosmos’, que, e grego, significa justamente ‘ordem’”.

“O significado fundamental da mensagem platônica é, portanto, este: o cosmos só pode ter nascido da ordem impressa à desordem, e é o mais perfeito possível, embora a desordem não esteja de todo domada, uma vez que continua a haver falhas nas consequências negativas do devir”.

3) Crítica de Raymundo de Farias Brito ao materialismo: a Filosofia do Desespero

“Tudo é matéria – proclama a filosofia moderna. E isto é aparentemente uma fórmula vã, mas, em sentido geral, vale por uma revolução e no fundo quer dizer: fez-se de novo o caos e em toda a extensão infinita do espaço estabeleceu-se o império da confusão e da desordem. O mundo fez-se trevas; a vida perdeu todo o sentido e todo o seu valor; e uma noite impenetrável encerrou os horizontes do espírito. Para os que sentem, quer dizer, para os que sofrem, para os que estão sujeitos ao nascimento e à morte, só o sofrimento impõe-se como verdade. O desespero torna-se a única palavra de vida. E uma tristeza mortal invade o coração do homem, inconsciente em face da natureza sensível, mudo e impassível em face do cadáver do espírito e da desordem do cosmos”.

Farias Brito, in “O mundo interior”, p. 106.


4) Terapia sugerida pelos antigos: A justa medida

“Então, a terapia para esse mal que deixa tudo à mercê do múltiplo e da consequente desordem só pode derivar do ato de levar a unidade-na-multiplicidade, e assim criar a ordem e produzir harmonia naquelas coisas que dependem do homem.” G. Reale

5) O Materialismo e o contexto político brasileiro

Ao fim desta exposição, fica um recado bastante oportuno para o Brasil. A disseminação de ideologias de cunho materialista, que têm contribuído para o afastamento do homem brasileiro dos princípios primeiros e supremos de que falou Platão, apresenta resultados nefastos e já bem visíveis. A desordem acarretada pela disseminação do discurso marxista da luta de classes, o tensionamento das relações pessoais, a divisão do país em grupos categorizados são obras daquele ente que deveria ser o apaziguador e mediador dos conflitos: o Estado.

O Brasil é a prova de que o Estado, quando cai nas mãos de grupos políticos orientados por ideologias materialistas, torna-se corrupto e corruptor, desordenado e desordenador, além de perder a capacidade de oferecer paz e de mediar os conflitos com equilíbrio a fim de restaurar a unidade ao povo, unidade esta que é exatamente o centro da lição platônica com o Princípio Supremo do Uno, que veicula o próprio Bem quando é capaz de dar ordem e sentido a uma infinidade de relações aparentemente desordenadas e caóticas.

Neste ponto, portanto, o platonismo tem muito a ensinar ao Estado brasileiro, hoje dominado pelo materialismo marxista, cuja obra vem desgraçando e afastando o povo  da saudável e desejável harmonia que deve imperar entre qualquer povo.

O texto refere-se à análise do capítulo 10 do livro "O Saber dos Antigos", de Giovanni Reale, realizado na última reunião do grupo, em 6 de novembro de 2014

O Individualismo Elevado ao Extremo

Por Douglas Cavalheiro


Sócrates: "Conhece-te a ti mesmo"

A Problematização sobre o Extremo Individualismo

            A concepção de "homem" na modernidade tornou-se uma perspectiva fundamentalmente materialista, próximo aos meios de produção em massa, o agente metamorfoseia-se no homo faber, tendo o seu sentido de existência como um mero objeto de consumo da mercadoria produzida. Cabendo a função da violência o elemento de domesticação da única face existencial do homem: o corpo. Reale trata que a perda da fé no homem gerou no processo de animalização da humanidade, e consequentemente sua escravidão. Para isso, ele vai fazer referência ao livro I da Política, Aristóteles que relata sobre a escravidão, ou alienação, ser ocasionado em "quem pertence a alguém em potência e participa da razão apenas no que se refere à sensibilidade imediata, sem possuí-la propriamente, ao passo compete à sensibilidade, mas obedece às paixões." (1254b 16-26).

            A máxima de Horácio Sapere Aude (Ouse Saber) foi proferida por Kant em O Que é o Iluminismo? como axioma do Aufklärung. Buscando a substituir a antiga maneira de conhecimento através de um "amor a sabedoria" da filosofia, uma perspectiva demasiada subjetiva para Kant, e passou a ser organizada agora através de um imperativo normativo, na maneira de uma lei universal racional. Agora cabe ao homem torna-se obediente a busca do conhecimento, não por um impulso inspirador e arrebatador, mais pela norma da ciência. Kant pretendia universalizar a busca ao conhecimento, visto que a inspiração movida pelo amor era algo subjetivo que não levava a totalidade das  pessoas para busca da verdade.

            Essa obediência a lei moral procurava estabelecer que o homem teria um fim em si mesmo, porém, tornou ele apenas um meio de utilização para os fins de dominação do Estado e dos meios de produção em massa, resultando nos usos de cobaias humanas para experimentos científicos e genocídios na modernidade. Por isso, Foucault vai afirmar que a "morte de Deus" gerou consequentemente na "morte do homem". Retirando todos os elementos divinos presentes no homem, antes impulsionado pelo amor divino da criação, agora toma a forma da loucura da busca da autossuficiência. Segundo a problematização de Reale "a verdadeira pergunta é: como se pode viver, se a vida não tem mais sentido?" (REALE, 2002, p. 161).

            Tendo observado as experiência do totalitarismo moderno e das armas de destruição em massa muitos pensadores do pós-guerra passaram a criticar todo otimismo epistemológico, a fé na razão e a obediência da lei moral kantiana. Segundo a perspectiva existencial de Sartre, o homem torna-se escravo da liberdade, ou seja, prisioneiro do absurdo. Segundo Camus[1] " a crença no sentido da vida supõe sempre uma escolha de valores, uma escolha das preferências. A crença no absurdo, de acordo com nossas definições, ensina o contrário". (CAMUS, 1947, p. 88-89).

            Reale também crítica a perspectiva niilista que surge na cosmologia da ciência pós-moderna como a teoria do caos e o efeito borboleta de Edward Norton Lorenz, que visa estabelecer uma perspectiva não linear da temporalidade. A maneira de uma total atomização do indivíduo resulta na seu desligamento da família, gerando uma falsa sensação de liberdade, tornando-o um mero produtor físico e material escravizado pelas forças externas da sociedade.

A busca do Outro como o complemento da Individualidade
           
            Ao realizar uma digressão histórica, Reale retoma ao discurso de Aristófanes realizado no diálogo do Banquete de Platão. Segundo Aristófanes os seres humanos eram unidos em pares, que ao se locomoviam em circulo. Devido uma revolta contra o Monte Olimpo, Zeus manda Hefesto fazer uma arma capaz de corta-los ao meio, e caso necessário fosse, cortaria-los mais uma vez até "saírem saltando de uma perna só". Dessa maneira, o homem possui sua individualidade plena a partir de sua unidade ao próximo que lhe foi separado. Em contrapartida, no momento em que a distinção material se vale como critério seguro para se afirmar o espaço pleno da liberdade do indivíduo, esse vai encontrar portanto dividido "saltando de uma perna só". Apenas através da união plena com o Outro, o indivíduo é capaz de pode transcender a realidade imanente da produção-consumo, romper o eixo de vida e morte, e atingir assim o sentido da transcendência que é a sua imortalidade.

O Sentido da Alma para os Antigos

            Devido isso Reale busca a compreensão do sentido de alma, inicialmente em Homero que interpretava o indivíduo como um conjunto de órgãos, e a psique seria um elemento do sopro final realizado pelo indivíduo que passaria a viver no tártaro. Essa concepção será radicalmente transformada com a introdução das religiões de mistério durante o século VI a.C. provavelmente influenciados pelo Zoroastrismo, na qual acreditava nas mensagens de Orfeu e Dionísio, que representavam a divindade que vencia a morte através de um processo de purgação. O corpo material passa a ser dissociado a alma, colocado como um elemento da queda do homem. A busca pela purificação estaria associada ao crescimento intelectual através das ações éticas e justas.

            Sócrates a maturidade do conceito de alma estabelece através da máxima do Oráculo de Delfos: "Conhece-te a ti mesmo". A máxima teria um sentido de "coloque-se no teu lugar diante os Deuses", o autoconhecimento é antes de tudo uma busca para compreensão de suas limitações, e não o contrário. Dessa maneira, o daimon aconselhador de Sócrates sempre o demonstrar as ações que não deveriam ser tomadas. Reale reaproxima o conceito de alma de Platão as crenças do orfismo, tomando como base para seu parâmetro a definição aristotélica de alma, que estaria ligado a virtude.

            Como explicado na Ética a Nicomaco, as virtudes são a perspectiva da justa medida, evitando tanto ao excesso como a carência. Apenas com através da conduta virtuosa que o indivíduo é capaz de recuperar o seu sentido de existência da contemplação da verdade. Segundo Aristóteles, o "spoudaios" é o único capaz de viver ausente de paixões (apatia) e na imperturbabilidade (ataraxia), compreender e sentir a sensação do"thauma" que é a ação de maravilhar-se, encantar-se, contemplar-se com a verdade. Dessa maneira, a natureza divina presente o indivíduo se manifesta de maneira plena chamando-se do princípio da dignidade humana.

            A Solução de Reale para o Individualismo Relativista Moderno

            O conceito de medida universal, afirmado pela máxima de Protágoras "o homem é a medida de todas as coisas", sintetiza a maneira do individualismo moderno. Após a proclamação da morte de Deus, a humanidade assina seu próprio atestado de óbito, alienando-se da sua "imagem e semelhança" com a divindade, o individualismo moderno atrelado ao caótico e insustentável conceito material perde sua essência de natureza virtual e moral. O individuo torna-se animalesco, sendo como meio para fins de instrumento de pesquisa laboratorial e descartáveis como dejetos em valas comuns por qualquer regime político. Resgatar a dignidade humana é antes de tudo resgatar a dignidade divina.



[1] Reale exemplifica sobre o problema à luz do mito de Sísifo. Reconhecido pela sua astúcia, Sísifo provocou a ira dos deuses ao sequestrar  Asopo, levando a Zeus ordenar que Tanatos fosse punir Sísifo com a forte. Porém, com a chegada dela, Sísifo consegue enganar ela com um colar que na verdade era uma coleira e a prende fazendo com que ninguém mais morresse. Com a irá de Hades e de Ares, ambos libertam Tanatos que leva Sísifo ao mundo dos mortos, onde tem seu castigo entre os rebeldes. Porém, quando se despedia de sua mulher, Sísifo alerta para que deixasse seu corpo sem ser enterrado. Dessa forma, ao chegar no submundo, antes de atravessar o rio de Lete, Sísifo pede para Hades para que retorna-se para lembrar sua mulher de lhe enterra. Sísifo volta a vida e engana a morte uma segunda vez. Quando morre de velhice, os deuses condenam Sísifo a penalidade eterna de levar uma rocha em uma coluna íngreme, em que após trabalho realizado a rocha desceria tendo que realizar o mesmo trabalho ad infinitum. Assim como Prometeu que foi condenado por Zeus a ficar acorrentado e um abutre comer seu fígado eternamente por ter ensinado o homem a usar o fogo. Camus procura estabelecer na história de Sísifo um paralelo com a realidade absurda e ausente de sentido. Tal como o sol que todos os dias nasce tem seu ponto mais alto e se põe, Camus concluir que é preciso "imaginar Sísifo feliz". Porém, segundo Reale " sua felicidade é uma falsificação, é a felicidade do desespero, transformada numa absurda aceitação consciente do absurdo" (REALE, p. 164). 

Referências Bibliográficas

REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: Terapia para os tempos atuais. São Paulo: Edições Loyola, 2002.


A Mitologia do Bem-Estar

Por João Vinícius

Como podem os artigos de fé fundamentais da psicologia serem todos os piores absurdos e falsificações?”O homem aspira a felicidade”

                                                                       F. Nietzsche, Fragmentos Póstumos

A felicidade não consiste nos rebanhos e tampouco no ouro: A alma é a morada de nossa sorte.
                                                                                                          Demócrito




            Um dos males modernos que aflige a humanidade é a busca ilimitada do bem-estar material como substituto da felicidade espiritual. Sendo ela liquidada como um sonho do passado, de maneira sonhática que só afeta o indivíduo durante a juventude e o abandono dessa quimera da felicidade seria a fundamentação moderna do critério que estabelece a divisão entre a imaturidade e maturidade.

            Reale aborda o fato de que a felicidade é igual ao bem-estar material não é um consenso, fazendo referência ao capítulo anterior (Praxismo e Tecnicismo) o autor afirma que apesar de existir uma quantidade e variedade de bens matérias que a humanidade se quer sonhou, a mentalidade tecnológico-praxista em vez de preencher o homem o esvaziou, no momento em que deu um golpe duro na consistência moral do homem moderno. Sendo cunhada por Edgar Morin a fórmula do “mal-estar ou mal da civilização”.

            O grande golpe duro a que Morin se refere é a perda das antigas solidariedades existentes entre os homens, e a substituição por pseudo-solidariedades-burocrático administrativas, tristemente anônimas. Reale cita como referência a obra de Morin, Terra-pátria:

A cidade das mil luzes, que oferece variedade e liberdade, torna-se também uma cidade tentacular, cujos vínculos – como a rotina casa/escritório/metrô – sufocam a existência e em que os estresses acumulados esgotam os nervos. A vida democrática regride. Quanto mais os problemas adquirem uma dimensão ética, mais fogem à competência dos cidadãos em benefício dos especialistas. Quanto mais os problemas se tornam políticos, menos os políticos conseguem integrá-los em sua linguagem e em seus programas. O homem produtor é subordinado ao homem consumidor, este ao produto vendido no mercado, e este último a forças libidinosas cada vez menos controladas, naquele círculo vicioso  e não apenas um produto dirigido para o consumidor. Uma agitação superficial toma conta dos indivíduos no momento em que conseguem escapar dos vínculos escravizadores do trabalho. O consumo desregrado torna-se hiperconsumo bulímico que se alterna com as dietas feitas de provações: a obsessão dietética e a obsessão pela forma multiplicam os medos narcisistas e os caprichos alimentares, mantêm vivo o culto dispendioso das vitaminas e dos oligoelementos. Nos ricos, o consumo torna-se histérico, maníaco pelo standing, pela autenticidade, pela beleza, pela cor pura, pela saúde. Eles dominam as vitrines, os grandes magazines, os pequenos mercados de pulgas. A mania das frivolidades torna-se mania das ninharias.

            A transformação do trabalho de meio em fim, foi captada por Nietzsche quando ele escreve: “É preciso trabalhar, senão por gosto, pelo menos por desespero, porque, feitas as contas, trabalhar é menos tedioso do que se divertir”. E como efeito desse argumento de Nietzsche, Morin e Anne Brigitte Kern relatam:

 É muito difícil reconhecer a verdadeira natureza do mal da civilização, dadas todas as suas ambivalências, suas complexidades. Precisamos ver seus subsolos minados, as cavernas, os abismos subterrâneos, juntamente com o desejo de viver e a luta surda e inconsciente contra o mal. Precisamos ver o conjunto de desumanização e reumanização. Precisamos ver as satisfações, as alegrias, os prazeres, as felicidades, mas também as insatisfações, os sofrimentos, as frustrações, as angústias, as infelicidades do mundo desenvolvido, que são diferentes, mas não menos reais que as do mundo subdesenvolvido. O que luta de modo vital contra as forças da morte dessas civilizações também faz parte desta civilização. As neuroses que ela provoca não são apenas um efeito do mal: mas também um compromisso mais ou menos doloroso com o mal para não ser devorados por ele. As reações ao mal são insuficientes? O mal se ampliará? De todo modo, nossa civilização não pode mais ser considerada uma civilização que tenha alcançado um patamar de estabilidade. Depois de ter liberado incríveis forças criativas, e depois de tr desencadeado inacreditáveis forças destrutivas, nossa civilização se encaminha para sua autodestruição ou para sua metamorfose?

As raízes niilistas do mal estar da civilização

            Reale afirma que a origem da substituição da felicidade pela fruição dos bens de consumo produzidos pela técnica tem raízes do niilismo, mostrando um fragmento de Nietzsche discorrendo sobre a felicidade e os objetivos do homem, quando ele diz que o homem não aspira a felicidade e sim a potência, fazendo uma comparação do homem com as plantas, tendo como base o objetivo de plantas em uma floresta ao almejar a expansão, e não a felicidade.
           
Platão contra a “voracidade”

            Apesar dos tempos contemporâneos ser o período de destaque para esse “mal-estar”, podemos ver a defesa do hedonismo desenfreado na antiguidade em Górgias, onde Sócrates tenta convencer Cálicles de que a felicidade não se resume a uma vida igual alma tarambola, comendo e defecando sem parar,  e usa como argumento o fato da simples saciação dos desejos materiais faria  dos desavergonhados felizes.


Os pré-socráticos e a felicidade

            O conceito grego de felicidade está ligada a palavra eudaimonia (ευδαιμονία). Originalmente, significava ter um bom gênio protetor, do qual se considerava que dependia de uma vida próspera. Mas, antes de Sócrates, pensadores como Heráclito e Demócrito haviam espiritualizado essa concepção, podendo-se ver quando Demócrito diz: “A felicidade não consiste nos rebanhos e tão pouco no ouro: a alma é a morada de nossa sorte”A mensagem de Sócrates

            A partir desse ponto o autor deixa de só atacar a ideia da felicidade se resumir ao estado material e começa a defender o que seria a felicidade na visão dele.

            Começa com uma citação de Sócrates: “Se queres ser feliz, cuida da tua alma”. E mostra o que significava felicidade para os helênicos, uma estado mental ligado aretê (ἀρετή), excelência, sendo representado pela “a plena e perfeita manifestação daquilo que ele é, e daquilo que o torna válido”.

            E podemos ver essa valorização da virtude e da alma, quando em Apologia de Sócrates oferecem a Sócrates a oportunidade de ser inocentado, desde que renuncie a filosofia, ou seja ao exercício de engrandecer a alma e as virtudes, ele recusa, preferindo a morte a deixar de ter essa felicidade.


A felicidade como harmonia da alma

            Aqui Reale mostra como Sócrates corroborava que a felicidade estava em ser justo, honesto e bom, com a justa medida da justiça, e mostra isso em os Górgias num diálogo entre Sócrates e Polo.

            Além disso no fim ele afirma que a eudaimonia consiste no que você é e não no que você tem.

Aristóteles: A felicidade como contemplação

            Aqui Aristóteles defende a ideia de felicidade derivada da contemplação da verdade, fruto de um conhecimento elevado digno de um deus, um estado em que a atividade teorética brota naturalmente, não causando cansaço e diferenciando o homem dos outros animais por ter essa capacidade que permitisse a felicidade.

A felicidade segundo as filosofas da era helenística e imperial

             Na parte final, observa-se a utilização do ideal lançado por Sócrates de que não ter necessidade de nada é próprio de deuses e ter muita pouca é próximo da divindade no período helenístico, seja por Diógenes com seu estilo de vida e a anedota com Alexandre Magno, seja por Epicuro defendendo que o homem só deve satisfazer seus desejos naturais, pois os desejos naturais não tem fim, pois quanto mais se teria mais se queria, e Sêneca mostrando que os homens que a comunidade mais consideram felizes, são os mais felizes. E por fim reforça que a busca ilimitada pelo bem-estar material pode levar ao homem tão obcecado por ter deixar de ser.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS



REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: Terapia para os tempos atuais. São Paulo: Edições Loyola, 2002.