MISSA EM MEMÓRIA DE ANDRÉ DE ALBUQUERQUE MARANHÃO

No dia 29 de março de 2017 foi celebrada Missa em memória do herói e mártir André de Albuquerque Maranhão, de sua mãe D. Antônia Maria do Espírito Santo Ribeiro, de sua irmã Luzia Antônia de A. Maranhão e de seu primo e cunhado José Inácio de A. Maranhão. 

Após a celebração, presidida pelo Arcebispo de Natal Dom Jaime Vieira Rocha, foi entoado o Te Deum, executado pelos seminaristas de São Pedro, deposição de uma coroa de flores no túmulo de André de Albuquerque Maranhão e discurso do Sr. Paulo Fernando de Albuquerque Maranhão, descente da família do homenageado e patrono do GAM.

O ato religioso teve participação da Irmandade do Santíssimo Sacramento, com organização da Santa Missa pelo sacristão Flávio Guedes Ramos da Silva e Fagner da Silva Marques.

Estavam presentes representantes do GAM, do Instituto Tavares de Lyra e do Ludovicus - Instituto Câmara Cascudo.
















28 DE MARÇO: 200 ANOS DA REVOLUÇÃO DE 1817 NO RN

Há duzentos anos, no dia 28 de março de 1817, André de Albuquerque Maranhão, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real e Senhor da Casa de Cunhaú, entrou triunfante na cidade de Natal, com uma tropa formada em sua maioria por índios e familiares e proclamaram a liberdade de sua terra, em conformidade com os ideais da Revolução em Pernambuco. Não sabia André que os que se mostravam seus amigos e partidários eram, na verdade, invejosos que tramavam nas suas costas a sua queda durante os 26 dias de seu governo, cujos documentos não resistiram a sanha dos contra revolucionários. 

Traído, ferido e preso na cela mais imunda e mais desprezível da Fortaleza dos Santos Reis Magos, ali expirou martirizado André de Albuquerque Maranhão, que se apropriando dos ideais de iluministas, não teve receio de arriscar toda a sua riqueza, nobreza e poder em nome da liberdade de sua gente, que não compreendeu o tamanho do seu gesto libertador. Sua ação e seus ideais continuam atuais e ainda hoje caminhamos para alcançá-los.

Foto: óleo sobre tela de autoria do artista plástico caicoense André Vicente com base na foto do único desenho existente do herói e mártir potiguar.

Acervo Memorial da Casa de Cunhaú - Instituto Tavares de Lyra - Macaíba-RN.


Texto de autoria de Anderson Tavares de Lyra, originalmente postado na página do Instituto Tavares de Lyra.

"MEMÓRIA E TRADIÇÃO" NA TRIBUNA DO NORTE

O jornal Tribuna do Norte publicou matéria alusiva ao Bicentenário da Revolução de 1817, dando destaque não só aos herois do movimento revolucionário - André de Albuquerque Maranhão e Padre Miguelinho - mas também ao evento "Memória e Tradição: Bicentenário da Revolução de 1817", organizado pelo GAM, Instituto Câmara Cascudo e Instituto Tavares de Lyra.

O inteiro teor da matéria pode ser acessado AQUI.

Veja a programação completa e confirme presença no evento AQUI.

RESENHA DO GAM: AS EUMÊNIDES


“As Eumênides”, de Ésquilo, certamente não é das tragédias gregas mais conhecidas do grande público habituado com as fascinantes histórias de Édipo Rei, Antígona e Medeia, mas é uma das que pode nos oferecer lições interessantes.

As Eumênides faz parte da trilogia denominada Oresteia, que se compõe das tragédias Agamênon e As Coéforas, que lhe antecedem e estão incluídas no Ciclo Miceniano. A trama gira em torno de Orestes, filho de Agamênon, que matou sua própria mãe Clitemnestra (As Coéforas) para vingar seu pai, assassinado pela esposa e seu amante Egisto (Agamênom). Todo o desenrolar dos fatos tem como pano de fundo a Guerra de Tróia, quando Agamenom se alia ao irmão Menelau para irem pegar de volta sua esposa Helena, que foi raptada pelo príncipe troiano Páris.

No caminho para a guerra, o exército grego comandado por Agamenom ficou retido na cidade de Áulis, pois os ventos não eram fortes o suficiente para que os navios navegassem até Tróia. Vendo que os suprimentos se esgotavam e que o exército estava insatisfeito com a paralisação e ameaçando debandar, Agamênom consulta o adivinho Calcas, que diz que a deusa Ártemis mandaria os ventos se o rei ofertasse em sacrifício a sua filha Ifigênia. Após muita discussão entre os irmãos, Agamenom manda buscar a filha para ser sacrificada e atender ao desejo da deusa, que então manda os ventos necessários para que os navios levantassem âncora rumo à Tróia, onde foi obtida a famosa vitória por meio do Cavalo de Tróia após dez anos de batalhas. Todos esses acontecimentos foram narrados por Eurípedes na tragédia Ifigênia em Áulis.

Isto, porém, desencadeou o sentimento de vingança na esposa de Agamenon e mãe de Ifigênia, a rainha Clitemnestra. Ela espera a volta de Agamênon para vingar sua filha. Agamênon retorna triunfante e traz consigo uma troiana que provavelmente é sua amante, a pitonisa Cassandra. Isto só aumenta o ódio de Clitemnestra pelo marido, alimentado por seu amante Egisto, que nutre igual desejo de matar Agâmenon por questões familiares do passado. Fingindo reverenciá-lo, Clitemnestra o aborda enquanto está no banho na banheira, joga uma rede em cima dele e depois o golpeia com uma espada até a morte, sob o olhar cúmplice e covarde de Egisto, que, junto com Clitemnestra, passam a ser os senhores de Argos.

Orestes, ainda bebê, é levado ao exílio quando se tem notícia da tragédia que se abateu, sendo entregue a um preceptor por sua irmã Electra para que ele um dia retorne para vingar seu pai e livrar aquela terra do jugo tirânico que vigorará pelas mãos de Clitemnestra e Egisto.

Os anos passam e Electra aguarda pelo retorno de Orestes. Enquanto isso, vive a praguejar contra a própria mãe e seu amante, que por isso a oprimem mais ainda e não a deixam desfrutar das riquezas do palácio.

Eis que Orestes volta e recebe a determinação de Apolo para vingar seu pai, senhor daquela terra, usando para isso de artimanhas secretas a fim de pegar todos de surpresa. Ele então manda seu preceptor na frente para anunciar a sua morte, que é comemorada por sua mãe e lamentada por Electra, que o aguardava como seu salvador. Orestes, entretanto, ao ver o sofrimento da irmã se identifica e parte para realizar seu plano e assassina a própria mãe e seu amante no mesmo lugar em que mataram seu pai.

Logo depois do crime, Orestes pede refúgio e proteção a Apolo no templo de Delfos e tem seus pedidos atendidos, já que foi o próprio deus quem ordenou que ele vingasse seu pai, assassinando a mãe. A peça, portanto, tratará do julgamento de Orestes após os acontecimentos narrados nas anteriores (Agamênom e As Coéforas).

Em As Eumênides entra em cena uma entidade mais antiga denominada de Fúrias, que anda a perseguir Orestes para puni-lo por ter matado a mãe. Dessa perseguição surge o conflito entre Apolo e as Fúrias, aquele protegendo Orestes, e estas sequiosas por puni-lo com a morte vingadora.

Orestes perseguido pelas Fúrias
Por orientação de Apolo, Orestes vai até Atenas para pedir proteção à deusa da cidade, Palas Atena, vez que esta é a que encarna a Justiça e há de dar-lhe guarida contra as Fúrias vingadoras. As Fúrias saem no encalço de Orestes e o encontram agarrado à imagem da deusa em Atenas. Deparando-se com o conflito de pretensões sustentadas no direito por cada um alegado, Atena resolve delegar aos homens de Atenas a tarefa de julgar Orestes, cabendo a ela apenas o voto de desempate. Foi instituído, assim, o Areópago, o tribunal de cidadãos atenienses. Ao fazê-lo, Atena traz à lembrança dos homens acerca da tarefa de julgar.

“Nesta situação, quer eu lhes dê ouvidos, que não as favoreça, terei de sofrer inevitáveis dissabores. Entretanto, já que a questão chegou ao meu conhecimento indicarei juízes de crimes sangrentos, todos comprometidos por um juramento, e o alto tribunal assim constituído terá perpetuamente essa atribuição. Apresentai, então, vós que estais em litígio, testemunhas e provas – indícios jurados bastante para reforçar vossas razões”.

Por serem entidades mais antigas, as Fúrias invocam as leis antigas que lhes legitimam o poder, advertindo que a subversão de tais mandamentos por um casuísmo levará ao total desrespeito às leis, criando instabilidade e jogando no descrédito essas e outras leis antigas e universais. A abertura de um precedente daquela espécie pode fazer ruir toda a solidez de uma lei antiga e justa, evoluindo para sua gradual e total revolução destrutiva dos próprios homens.

“Prognosticamos para muito breve o advento de uma grave subversão devida a novas leis, se triunfar a causa torpe deste matricida! Logo seu crime justificará o desrespeito de todos os homens, e talhos incontáveis de punhais licitamente dados pelos filhos serão a recompensa de seus pais antes de se passarem muitos anos! Isso acontecerá porque as Fúrias, cuja incumbência é vigiar os homens terão cessado displicentemente de provocar rancor contra os assassinos.
A lei suprema impõe que se venere o altar santificado da justiça em vez de com pás ímpios ultrajá-lo cedendo à sedução de uma vantagem; o castigo virá e ao desenlace nenhuma criatura escapará.
No choque violento e irresistível contra os escolhos da justiça atenta, o infeliz vê naufragar, perdido, sua prosperidade anterior e sem uma lamentação sequer perece para ser logo esquecido”.

Apolo, por sua vez, atuando como advogado de defesa de Orestes, sustenta que o ato criminoso foi perpetrado por um mandamento divino, como forma de vingar a ignominiosa ação de Clitemnestra, além do que o pedido de Orestes ao deus merece a benevolência e deve, portanto, ser atendido na forma de uma defesa.

“Este mortal, de acordo com os sacros ritos, além de ser meu suplicante é um fiel sempre bem-vindo junto ao meu altar; fui eu quem o purificou do sangue derramado; estou aqui também como seu defensor e, mais ainda, como responsável máximo pelo crime de morte contra sua mãe”.

O julgamento termina empatado, vindo Atena a dar o seu voto decisivo em favor de Orestes (o universalmente famoso voto de Minerva, que vem a ser o nome romano de Atena), absolvendo-o e livrando-o do poder das Fúrias vingadoras.

Diante do resultado, em gratidão, Orestes promete fidelidade eterna à Atenas.

“Quero fazer o juramento mais solene, eternamente válido, em tua cidade e na presença de teu povo generoso neste momento em que recupero meu lar. Jamais um homem investido no poder em Argos, que é meu reino, empunhará as armas contra tua cidade; eu mesmo, de meu túmulo, provocarei a perdição dos transgressores do santo juramento feito neste instante, lançando sobre eles males sem remédio, tirando-lhes o ânimo durante a marcha e pondo em sua rota lúgubres presságios, levando-os a desistirem de seus planos”.

Enquanto isso, as Fúrias, indignadas com a derrota e com a nova ordem divina que se estabelece a partir dali, prometem amaldiçoar a cidade com pragas e desgraças.

“Ah! Deuses novos! Como espezinhais as leis antigas, pois arrebatais de nossas mãos o que sempre foi nosso! E nós, infortunadas e menosprezadas, faremos com que este solo sinta o peso todo de nosso rancor! Ai! Ai de nós! Nosso mortal veneno vai ser a arma de cruel vingança! As gotas, destiladas uma a uma por nossos corações, custarão caro a este povo e à sua cidade; uma praga mortal sairá delas, fatal a todos os frutos da terra e aos vossos filhos!”.

Para acalmá-las e evitar a continuidade da desgraça, Atena sugere que as Fúrias tomem assento no bosque vizinho à cidade para que sejam cultuadas pelo povo ateniense, que será em breve glorificado por vitórias e viverá um período esplendoroso, e em troca as Fúrias ofertarão sua proteção à cidade.

“Desejo oferecer-vos de maneira justa asilo e proteção nesta cidade; aqui, no trono de vossos altares reluzentes, tereis assento e respeito de meu povo”.

Elas relutam, e após um longo diálogo com Atena (kommos), elas amainam o espírito e terminam por aceitar, sendo conduzidas por uma procissão rumo ao bosque que passará a se chamar de Bosque das Eumênides.

No fim, vê-se que o julgamento favoreceu às duas partes, mas principalmente à Atenas, cidade que cultuava Palas Atena, que deu o voto desempate para absolver Orestes, que jurou fidelidade e aliança eterna com a cidade, e ainda acalmou as Fúrias oferecendo-as abrigo e culto em troca de usarem seus poderes para proteger a cidade. Vê-se que a Justiça, encarnada em Atenas, foi prestigiada, graças a atuação conjunta de deuses e homens, mostrando que o ideal de Justiça é aquele valor maior que deve ser buscado a todo instante pelos humanos, suplicando auxílio nas leis divinas para fazê-la triunfar pelo mundo, cessando as misérias que abatem o homem, como aconteceu com a família de Agamênom, que após a absolvição de Orestes teve paz e pôde seguir seu caminho dentro da ventura.

Existia, portanto, uma cadeia de infortúnios trágicos que foi iniciada pelos homens visando a fortuna, e que se perpetuava no tempo, passando por várias gerações, graças ao sentimento de vingança que toma aqueles que sentem a injustiça dos atos praticados, pretendendo repará-la com as próprias mãos e dentro daquilo que eles próprios entendem por justiça. Só que no último capítulo da série de tragédias do Ciclo Miceniano, os homens, Orestes nele representados, pedem ajuda aos deuses (Apolo e Atena) para salvar a sua pele e restaurar a verdadeira justiça, e esta é ofertada da única forma possível: com um ato benevolente, ou seja, a absolvição, estancando, assim, o sentimento de vingança que estava com as Fúrias.

Atena, encarnando ali a Justiça, quebra a cadeia de vingança ao desempatar o julgamento feito pelos homens, que não chegaram a um resultado, mostrando com isso que a justiça dos homens é vacilante e pouco confiável, deixando claro também que o verdadeiro julgamento, aquele que será ofertado de maneira justa é o divino, razão pela qual se deve proceder com cautela ao julgarmos alguém e nunca o fazendo de forma definitiva, pelo menos quando estiverem envolvidos bens de maior monta como a vida e a liberdade.

Vemos que a decisão de Atena poderia parecer injusta aos olhos dos homens, uma vez que deixa impune um homem que matou a própria mãe. Porém, ao absolvê-lo, Atena diminui o poder das Fúrias que alimentam o sentimento de vingança no mundo, e ainda consegue que Orestes seja fiel à cidade de Atenas. Diante da revolta das Fúrias, Atena oferece um consolo que há de reparar o sentimento de injustiça que as domina, arrefecendo seu desejo de destruir a cidade. Assim, oferece-lhes o respeito e o culto dos cidadãos atenienses, tornando-as deusas cultuadas e adoradas como jamais foram.

Na constituição do tribunal para julgar Orestes, percebe-se que é o momento em que os deuses entregam os destinos dos homens aos próprios homens, sem, entretanto, deixar de influir neles, como bem demonstra a atuação de Apolo e das Fúrias como defensor e acusador, respectivamente, cabendo o juízo terreno aos homens formados em colegiado, e o final a Deus.

A intervenção de Atena desempatando o julgamento não deslegitima a atuação dos homens como julgadores. Ela apenas serve como exemplo a ser seguido, visto que a decisão de Atena trouxe a pacificação, embora tenha deixado um grave crime impune. Isso se verifica ao analisarmos os efeitos e os desdobramentos da decisão, de modo que não se faz justiça olhando para o presente ou o capricho íntimo das partes, e sim mirando o futuro e a verdadeira pacificação dos homens.

Padre Miguelinho, uma luz na história do Rio Grande do Norte


Neste 2017, um fato histórico completa 200 anos: a Revolução Pernambucana de 1817. O Rio Grande do Norte tomou parte ativa no evento, seja aqui mesmo, nas terras potiguares, através da ação de André de Albuquerque Maranhão, Senhor de Cunhaú; seja por meio de um natalense ilustre que foi protagonista dos acontecimentos revolucionários no Recife. E este cidadão - um sacerdote da Igreja - atendia pelo nome de Miguel Joaquim de Almeida Castro, o Padre Miguelinho.


Partitura do Hino a Miguelinho

Por ter empenhado sua honra em cada momento da Revolução, Padre Miguelinho é justamente homenageado pela História e também em alguns lugares bem conhecidos de Natal, sua terra de nascimento. Padre Miguelinho dá nome a uma importante escola estadual situada no Alecrim, a uma Loja Maçônica e ao prédio da Câmara Municipal de Natal, além de ser o único potiguar citado no Hino do Rio Grande do Norte.

Professor de retórica do Seminário de Olinda e Secretário Geral do Governo Provisório estabelecido em Pernambuco, Padre Miguelinho contribuiu com sua erudição, sabedoria e ideais de liberdade para o movimento que tinha por objetivo estabelecer uma terra livre e independente, sediada no atual Nordeste brasileiro. Do início vitorioso ao fim derrotado, Padre Miguelinho portou-se com toda dignidade. Quando havia animosidade do povo com os portugueses, Miguelinho buscou a pacificação para que a nova pátria surgisse sob o signo da comunhão entre brasileiros e estrangeiros. Na famosa "Proclamação ao povo", divulgada logo após a nomeação do Governo Provisório em 8 de março de 1817, coube a Padre Miguelinho fazer o anúncio oficial, que terminava dizendo que "A Pátria é a nossa mãe comum, vós sois seus filhos, sois descendentes dos valorosos lusos, sois portugueses, sois americanos, sois brasileiros, sois pernambucanos".


Caindo a Revolução depois da reação da Coroa portuguesa, os líderes do movimento foram presos e enviados para serem julgados na Bahia. Dentre os presos estava Padre Miguelinho, que antes de ser levado acorrentado conseguiu, junto com sua irmã Clara Castro, queimar uma grande quantidade de papéis que incriminavam muitos dos seus companheiros, livrando-os da morte. No julgamento, porém, havia boa vontade por parte do tribunal, apesar da grave acusação de crime de lesa-majesta, cuja pena era o fuzilamento. Mesmo assim, Padre Miguelinho manteve-se em silêncio, recusando-se a se defender, tamanha era a convicção com que havia tomado parte no levante. Então o juiz, na real intenção de salvar a vida de Miguelinho, indagou se por acaso as assinaturas nos papéis que o denunciavam não poderiam ter sido falsificadas por algum inimigo a fim de prejudicá-lo. Padre Miguelinho se levantou, apontou para os papéis e, com a cabeça erguida, disse que as assinaturas eram autênticas, e que numa delas a última letra do seu nome tinha saído pela metade pois havia acabado o papel. Sem mais ter o que oferecer para livrá-lo da condenação, o tribunal mandou Padre Miguelinho para o pelotão de fuzilamento.  

"Julgamento do Padre Miguelinho", tela de Antônio Parreiras.


Com seu exemplo de coragem, dignidade e civismo em prol da liberdade, Padre Miguelinho deve ter a memória reverenciada não só neste Bicentenário da Revolução de 1817, mas ser permanentemente colocado no lugar de destaque no rol daqueles norte riograndenses que deixaram o exemplo luminoso de qual é o papel e a postura do homem que toma a dianteira dos grandes acontecimentos de cada tempo. 


Clara Castro: Uma Heroína Potiguar na Revolução de 1817

Por Cassimiro Júnior (*)

Em comemoração ao sublime Dia Internacional da Mulher, escolhemos para homenagear, dentre tantas potiguares famosas e anônimas que representam a beleza, ternura e a força da mulher potiguar em todo o seu esplendor, a saudosa Clara Joaquina de Almeida Castro.

​Nascida em Natal, Capitania do Rio Grande do Norte, no dia 12 de agosto de 1787, oriunda de uma família religiosa, Clara Castro partiu ainda jovem para a Capitania de Pernambuco, onde quatro dos seus vocacionados irmãos ingressaram na Santa Igreja Católica e seguiram o sacerdócio, tendo maior notoriedade Miguel Joaquim de Almeida e Castro, o Padre Miguelinho.

​Clara Castro teve uma vida pacata em Olinda, onde residiu na mesma casa de seu irmão mais célebre. Presenciou e viveu a efervescência dos dias anteriores da revolta que estava por vir.

​No dia 06 de março de 1817 eclodiu uma revolução que mudaria a vida de todos e o rumo do país, que ficou conhecida como Revolução Pernambucana de 1817 ou Revolução dos Padres, devido a participação de várias figuras do clero nesta insurreição. Dentre eles, o norte-rio-grandense Padre Miguelinho, um dos cérebros do movimento de cunho liberal/republicano, que tinha o escopo de libertar o Brasil e torná-lo independente de Portugal.

​Após obtenção de êxito, os rebeldes formaram um governo provisório e outras capitanias nordestinas aderiram ao movimento, são elas: Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas e Piauí, bem como a Ilha de Fernando de Noronha. Emissários foram designados para conseguirem reconhecimento em outros países (Argentina, Inglaterra e Estados Unidos) à nova nação que nascia. Era o primeiro governo republicano genuinamente brasileiro.

​Aos poucos as capitanias revoltosas foram caindo e as duas que obtiveram uma tomada total do poder foram Paraíba e Rio Grande do Norte (liderado por André de Albuquerque), que seguiram o mesmo destino das demais.

​No momento mais dramático da Revolução de 1817, durante a queda da Capitania de Pernambuco e o avanço das tropas realistas, os revoltosos fugiram para tentar mais um foco de resistência e salvar suas vidas. Inesperadamente, na noite de 20 de maio, surge na casa de Clara Castro o Padre Miguelinho, que tomou esse rumo para destruir todo e qualquer documento comprometedor que poderia implicar todos os partícipes da insurreição.

​Ocorre que Clara Castro era uma predestinada, e com doçura aceita a missão dada por seu amado irmão. Com os olhos cheios de lágrimas, que aos poucos escorrem no seu cativante rosto, Miguelinho a consola e teria dito: “Mana, estás órfã dos meus cuidados, tenho preenchido os meus dias; não tardarão em vir buscar-me para a morte”. Completou: “Nada de choros aqui; entrego-me à vontade de Deus, e nêle te dou um pai que não morre. Ajuda-me a consumir estes papéis que podem comprometer tantos desgraçados”.

Como fora supracitado, o heroísmo não está apenas nas mãos de homens valentes e armados, mas em pequenos gestos que mudam o rumo de uma nação. Neste contexto, juntamente com Padre Miguelinho, Clara Castro, num gesto de companheirismo e abnegação, queima toda a papelada que levariam à morte centenas, quiçá milhares de compatriotas.

Em pouco tempo os monarquistas adentraram em sua casa e os prenderam. O destino previsto por Miguelinho foi duro com o homem que se fez uma das estrelas do movimento emancipatório. Pouco depois, após sua prisão, Miguelinho foi martirizado (12 de junho daquele ano). Já Clara Castro, além de prantear seu irmão, passou quase dois anos numa prisão pernambucana. Foi, juntamente com Barbara de Alencar, uma das primeiras presas políticas da história do Brasil.

Graças à bravura/grandeza da sua ação, a aludida revolução pavimentou indiretamente o caminho para a Independência, e parte dos sobreviventes reapareceriam na Confederação do Equador, em 1824.

Clara Castro tem, portanto, seu merecido lugar entre os heróis desta nação! Embora seja percebido que seu reconhecimento na historiografia e na sociedade seja tímido, quase que anônimo, merece com louvor esta justa homenagem no tão especial Dia Internacional da Mulher do ano de 2017, bicentenário da sua impavidez.


(*) Cassimiro Júnior é autor do livro "A participação da Capitania do Rio Grande do Norte e de Maçons Potiguares na Revolução Pernambucana de 1817".