Benefícios Fiscais: Liberdade Para Quem?

Por Rafael Saldanha



O Estado, um agente não produtivo e intervencionista por natureza, é dependente do capital de terceiros para realizar suas despesas operacionais. Este dinheiro deriva sempre direta ou indiretamente da renda dos particulares e o principal método pelo qual o governo o obtém é a tributação. O tributo é uma obrigação compulsória de pagamento que o estado impõe à população. E eles não atuam na economia apenas como valores espoliados, mas também como verdadeiro instrumento de manipulação da vida dos contribuintes, tendo efeitos que se desdobram sobre a qualidade de vida dos indivíduos, pois que alteram seus interesses pessoais, deturpando a alocação de recursos e gerando, assim, efeitos patentemente extrafiscais. 

Não à toa, os indivíduos estão sempre em busca dos chamados benefícios fiscais, que em sumárias palavras são medidas governamentais que visam a reduzir ou zerar determinada incidência tributária para determinado grupo de potenciais contribuintes. Ocorre que apesar de aparentemente benéficas, tais medidas também devem ser vistas com bastante reserva.

Se o benefício agrada apenas aos "amigos do Rei", como sói acontecer, ocorre quebra da justa concorrência e, consequentemente, haverá distorção daquele mercado.

Podemos observar este fenômeno com clareza quando governos dos estados menos produtivos do Brasil tentam atrair grandes empresas aos seus municípios ofertando redução parcial ou total do ICMS, a título de aumentar a oferta de empregos e os índices produtivos do local. Entretanto, apesar de a concorrência entre estados (guerra fiscal) ser algo proveitoso para os indivíduos, é um risco à economia local quando feito sem as análises técnicas devidas, pois é comum que a redução dos custos fiscais para uma empresa sem que as demais concorrentes também sejam beneficiadas resulte em falências em massa, e na criação de monopólios. O cenário é tenebroso: as empresas menores que foram à falência eram exatamente aquelas que sustentavam a meta de arrecadação do estado para aquele setor. Com as quebras em massa, o estado precisa compensar-se da tributação perdida naquele setor tributando outros setores do mercado, ou seja, diluindo os prejuízos de sua equivocada escolha pública entre os demais contribuintes. Enquanto isso, os consumidores daquele mercado em que alguns produtores ganharam benefício fiscal ainda terão de lidar com a nefasta situação da criação de um monopólio.

A concorrência entre entes federados no escopo de se tornarem atrativos para os indivíduos morarem e produzirem é salutar, mas não deve ser valer de benefícios individualizados ou setorizados, mas sim uma redução generalizada da carga tributária. O estímulo à produção pela redução do custo tributário fomenta imediatamente a geração de riqueza, o que, inclusive, tem como consequência direta o acréscimo da arrecadação estatal.

Por outro lado, quando os benefícios fiscais são concedidos de forma generalizada, de fato alavancam a economia de certa localidade. Neste ensejo, aproveita-se para fazer a seguinte reflexão: quem estava, então, atravancando o desenvolvimento daquela localidade? Facilmente conclui-se que a intervenção governamental (a tributação) é que estava causando desestímulo às atividades produtivas.

Neste sentido, o crescimento econômico advindo da concessão do benefício fiscal não foi bondade do estafo, mas sim consequência da retirada de uma parcela da influência estatal sobre a economia.

Portanto, os empresários e a população não devem rogar por graciosidade estatal mediante benefícios fiscais, mas sim pelo afastamento do estado do meio econômico, pois não se pode permitir que a política – recheada de interesses escusos – possa ditar o rumo da produção de riquezas.

Rafael Saldanha é advogado econômico e tributário e vice-diretor jurídico do Instituto Liberal do Nordeste - ILIN

O Problema Socrático: Os elementos entre o mítico e o histórico (Parte 1)

Por Douglas Cavalheiro 
Revisão de Camilo Soares



O desafio de compreender o Sócrates histórico foi lançado por estudiosos contemporâneos com a finalidade de distinguir a figura socrática da filosofia de Platão, sendo Soren Kierkegaard um dos precursores dessa problemática no século XIX. Influenciado pela filosofia de Immanuel Kant e pela teologia liberal de Friedrich Schleiermacher, Kierkegaard procurou realizar uma distinção, através do conceito da ironia socrática, da matemática especulativa característica do pensamento platônico. Simultaneamente, na teologia, muitos pensadores buscavam realizar a construção de um "Jesus Cristo histórico", distinguindo os ensinamentos morais dos acontecimentos miraculosos. Essa desunião da natureza humana e divina do Cristo é uma heresia conhecida como nestorianismo. Todavia, como Sócrates foi um ser humano e não Deus, como no caso do Cristo, é importante encontrar a verdadeira face socrática. Sendo esse o principal objetivo do presente estudo, para isso serão tomados como referencial a peça de Aristófanes As Nuvens, de 423 a.C., a Memorabilia de Xenofonte e A Apologia de Sócrates de Platão, de 398 a.C. Também serão utilizados de suporte alguns comentadores, como Diórgenes Laercios de Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, e historiadores como Tucídides d’a História da Guerra do Peloponeso.

Sócrates nasceu em 469 a.C. em Atenas, filho do escultor Sofrónisco e da parteira Fenarete. Atenas encontrava-se então no auge do seu poder com a Liga de Delos. Estabeleceu a obrigatoriedade de todas as cidades que faziam parte da federação de cidades-estados a pagar tributos para suas reformas, devido às destruições realizadas durante as guerras contra os persas. Essa época foi conhecida como a Era de Ouro de Atenas, quando a cidade foi governada pelo general Péricles por quinze anos. O pai de Sócrates provavelmente trabalhou nas inúmeras reformas arquitetônicas da Acrópole, como o Partenon dedicado a deusa Atena, empreendida pela liderança do arquiteto Fídias.

Provavelmente, Sócrates teve seus primeiros ensinamentos inspirados no ofício do seu pai. A técnica de esculpir trouxe para ele conhecimentos matemáticos necessários para o exercício da função, como os teoremas atualmente conhecidos como "teorema de Tales" e "teorema de Pitágoras". Possivelmente desse grupo Sócrates obteve aprendizado de conhecimentos matemáticos provenientes do Egito para construções dos templos. Porém, não se tem conhecimento de obras com a autoria de Sócrates. Haja vista que muitos trabalhadores braçais que faziam parte de grupos de artesãos não tinham costume de assinar suas obras, ficando isto a cargo do artesão-mestre, acredita-se que Sócrates não tenha se destacado muito na função de construtor.

Nessa época, Atenas começou a se caracterizar como uma cidade cosmopolita, sendo frequentada por muitos comerciantes estrangeiros e intelectuais, o primeiro deles sendo Anaxágoras. Com sua amizade próxima a Péricles, ele estabeleceu seus primeiros discípulos, entre os quais o principal era Arquelau. Anaxágoras começou a se tornar como que um mentor intelectual e ideológico do novo regime que se formava. Será através do guru de Arquelau que Sócrates passará a ter conhecimento das novas especulações físicas, e consequentemente das novas perspectivas cosmológicas, sobre a origem da vida terrestre. Uma das grandes marcas inovadoras dos pensamentos desses primeiros filósofos é a da possível esfericidade do planeta Terra.

Todavia, a visita que mais marcou a orientação filosófica de Sócrates foi a de Parmênides, que visitou Atenas em 450 a.C. No mesmo ano, sendo já alvo de perseguições políticas, Anaxágoras é condenado por ateísmo pelos inimigos políticos de Péricles e tem que fugir, assim como o sofista Protágoras, que teve sua obra queimada em praça pública.
Em 427 a.C. os sofistas começam a entrar em Atenas, com a visita de Górgias, embaixador de sua cidade, que marca profundas influências na formação da retórica e das técnicas do discurso de Sócrates. Porém, a diplomacia sofista não foi suficiente e a Guerra do Peloponeso eclode em 431 a.C. tendo uma duração de 27 anos, encerrando a hegemonia pacífica do império ateniense.

Atenas inicia suas vitórias na Batalha da Potídeia em 431 a.C., da qual Sócrates, já perto dos 40 anos, participa como hoplita, salvando seu general, Alcebíades. Esse evento marca profundamente a vida de Sócrates, que deixa de ser um esquecido funcionário pobre, torna-se herói de guerra, sobe de patente militar, é convidado para cortejos na alta sociedade (como é narrado no Banquete), conhece pessoas importantes como Aspásia (mulher de Péricles), e se casa com Xantipa, uma jovem da alta sociedade, com quem tem três filhos. Porém, a cidade passa por uma peste terrível que mata seu maior líder, Péricles. As derrotas começam a se acumular após nove anos de conflito redundando em fracassos. Sócrates, junto com o general filho de Péricles, tentam organizar uma conquista da Beócia, que acaba em fracasso, com a Batalha de Delion em 426 a.C. Diante dessas novas circunstâncias, Sócrates passa de herói a bode expiatório de Aristófanes, na sua peça de teatro As Nuvens, escrita em 423 a.C.

Aristófanes foi um grande adversário das lideranças do conflito, sendo um rival dos políticos democráticos que estavam engajados na luta contra Esparta. O dramaturgo identifica no sistema democrático a origem da crise da sociedade ateniense, sendo os responsáveis por esse novo sistema político os intelectuais que pregavam novas ideias, que teriam distanciado os homens dos deuses tradicionais e do cultivo agrícola da terra. Todas as desgraças da guerra e da peste seriam culpa desses novos intelectuais. Aristófanes enxerga na figura dos sofistas os frutos do regime democrático de Péricles, que destruíram a cultura e a tradição grega e trouxeram a guerra e a peste como castigos divinos. Como Sócrates era na ocasião o de maior evidência, Aristófanes o coloca, junto com seu amigo democrata Querofonte, como um dos antagonistas da peça As Nuvens. No ano seguinte, em 422 a.C., na batalha de Amfipolis, em que Sócrates e Tucídides lutaram, Atenas sofreu outra grave derrota contra as tropas terrestres de Esparta.

No período mais crítico da guerra, em 414 a.C., o general Alcebíades trai Atenas, por ter profanado as estátuas de Hermes, indo se refugiar e lutar ao lado de Esparta. Porém, agindo com duplicidade, gozando de sua posição entre os espartanos, toma à força as conquistas para Atenas e retorna ao exército ateniense, que o absolveu de seus crimes contra a religião.

Em 407 a.C. Alcebíades retorna para Atenas, sendo também recebido por Sócrates. Ambos passam a ir contra a nova campanha naval que os políticos estavam tentando realizar. Sócrates, ainda tendo sua influência, entrou em conflito com os políticos democráticos. Em 406 a.C., após a vitoriosa batalha da Arginusa, os generais deixaram os corpos dos soldados no mar, sem trazê-los para um sepultamento tradicional. Os líderes democráticos tentaram condenar por crime de guerra oito generais que negaram assistência aos náufragos. Sócrates disse que o julgamento em conjunto era contra as leis, sendo o único a votar contra o julgamento em conjunto dos generais, que terminou com a morte de todos. Finalmente, Esparta acaba prevalecendo na batalha de Aegospotami, e Alcebíades se exila na Pérsia fugindo dos espartanos, que conseguem assassiná-lo.

Em 404 a.C., com a derrota total de Atenas, foi instaurada uma tirania de 30 aristocratas, entre eles Crítias e Carmines, que tinham sido amigos próximos de Sócrates e lhe cobraram fidelidade ao regime, exigindo-o que matasse Leon de Salamina. Sócrates não obedece, não sendo penalizado porque o regime cai com o retorno da democracia. Querofonte, amigo democrata de Sócrates, retorna para Atenas, falando, em sua visita a Delfos, que Sócrates era o homem mais sábio de Atenas.

A partir desse momento Sócrates passa a conviver na praça, indagando a todos sobre as questões fundamentais para a formação de seu método filosófico. Nessa última fase de sua vida ele conhece Platão, que passa a acompanhar seus ensinamentos. Esses últimos três anos Sócrates passou investigando seus cidadãos, até ser chamado para julgamento em 399 a.C., por "não acreditar nos costumes e nos deuses da cidade" "pregar novos deuses", e "corromper a juventude".

Segundo Plutarco, Alcebíades tinha uma paixão por Sócrates desde que ele o tinha salvo. Porém, esse amor nunca correspondido deixou Alcebíades sem mais observar os outros interessados nele, entre eles Ânito, um dos acusadores de Sócrates. Muitos colocam que Ânito estava movido pelo ciúme a Alcebíades. Ânito foi também um general na Guerra do Peloponeso. Entusiasta do regime democrático, luta contra o regime dos trinta tiranos, passando a ser um dos maiores líderes da nova democracia. Ânito e Sócrates se encontram num relato do dialogo Menon, onde é discutida a melhor forma de educar a juventude. Ânito alerta Sócrates de que suas ideias muito revolucionárias contra o regime poderiam arriscar a integridade da juventude. Sócrates ensina um filho de Ânito que o regime democrático não é virtuoso, desencorajando-o para a carreira política que o pai queria que ele tomasse. Isso desperta a cólera de Ânito, que move um processo contra Sócrates.

Durante essa época, Sócrates já está com 70 anos de idade, toda sua geração tinha morrido, ou nos combates das guerras, ou pela peste. Numa época onde a idade máxima em geral era até os 40 anos, poder-se-ia dizer que Sócrates era um dos mais velhos de sua cidade. Toda a população que pertencia a uma nova geração durante o novo regime democrático conhecia Sócrates apenas pelas formas hiperbólicas das caricaturas realizadas por Aristófanes. Sócrates, que antes era visto como uma degeneração para os valores gregos tradicionais e fruto do regime democrático, passou a ser visto como uma ameaça ao regime democrático em virtude de suas constantes críticas, principalmente aos cargos que eram eleitos através do sorteio, e na questão do julgamento dos generais. Sócrates é condenado à morte, mas é eternizado pela obra de seu maio discípulo, Platão. Os filhos de Sócrates, Menexeus, Lamprocles e Sofrónisco, tornaram se apenas jovens "bobos e sem graças", segundo Aristóteles.


Este é o primeiro texto da série de três textos sobre o livro Apologia de Socrates, que está sendo elaborado a cada reunião de atividade do GAM.

A base moral da economia capitalista








"O senhor defende a ética na política e na economia, mas como é possível propor a vigência da ética na sociedade quando, ao mesmo tempo, o senhor defende o capitalismo como sistema econômico?" A pergunta me foi dirigida por um telespectador do "Roda Viva" da última segunda-feira. Por falta de tempo, contudo, a questão infelizmente acabou nem sendo levada ao ar durante o programa. Mas como ela reflete uma confusão que parece estar extremamente difundida no Brasil hoje em dia, acredito que vale a pena tentar respondê-la.

Qual a relação entre ética e capitalismo? A primeira vista, de fato, nada poderia parecer mais incompatível. Falar em ética, muitos ainda acreditam, é negar a própria essência do capitalismo –um sistema no qual prevalece a lógica implacável da acumulação a qualquer preço, do egoísmo sem freios e do oportunismo. Afinal não foi Marx quem disse, pensando talvez na sua própria situação pessoal de penúria, que no capitalismo "quanto maior o interesse do indivíduo pela sociedade, menor o interesse da sociedade nele"?

Ao contrário da crença predominante em amplos setores da opinião pública e da intelectualidade brasileira, acredito que existem boas razões para sugerir que esta visão da suposta incompatibilidade entre ética e capitalismo é profundamente equivocada. Vejamos, para começar, uma situação extrema.


Considere uma sociedade hipotética na qual não haja limites para o uso do dinheiro. Tudo pode ser objeto de compra e venda –tudo tem um preço. Nas relações privadas entre as pessoas é possível adquirir qualquer coisa, desde órgãos humanos, fetos e bebês até serviços sexuais, lugares em filas e a eliminação de inimigos. Nas relações com o setor público, a mesma coisa: votos, cargos, fiscais, juízes, decisões de política econômica, enfim, tudo o que diz respeito ao governo pode ser comprado por qualquer cidadão que esteja disposto a pagar o preço.


Até que ponto um sistema assim constituído –uma sociedade na qual o dinheiro manda em tudo e é capaz de tudo– poderia ser visto como o capitalismo levado às suas últimas consequências? Isso não seria exatamente o capitalismo em estado puro?


Um primeiro ponto é lembrar que, mesmo que todos os limites morais ao uso indiscriminado do dinheiro fossem abolidos, ainda continuariam existindo limites lógicos para o que ele pode comprar. Há coisas na vida, como por exemplo a lealdade de um amigo, sócio ou colega de trabalho, que simplesmente não são passíveis de compra e venda e isso mesmo que não houvesse qualquer restrição moral à sua aquisição por dinheiro.


O limite aqui é natureza lógica. A idéia de comprar a lealdade é uma contradição em termos. Lealdade comprada é lealdade negada. Se é possível comprá-la, então ela já não é o que afirma ser. O mesmo vale para outras categorias fundamentais das relações humanas –vínculos da maior importância mesmo de um ponto de vista estritamente econômico– como solidariedade, confiança, admiração, amizade e amor.


Este, no momento, é um ponto incidental. O argumento central sobre a relação entre ética e capitalismo é a tese de que as regras do jogo da economia de mercado dependem de uma infra-estrutura moral. Assim como o sistema democrático na política, o mercado na economia é um conjunto de normas de convivência civilizada. O grau de adesão e respeito a essas normas está ligado aos atributos morais dos participantes. O capitalismo moderno não só não é incompatível com a ética, como não pode existir sem ela.


A generalização feita pelo sociólogo alemão Max Weber vai ao âmago da questão: "O predomínio universal da absoluta inescrupulosidade na busca de interesses egoístas pela via da obtenção de dinheiro tem sido uma característica específica precisamente daqueles países cujo desenvolvimento burguês-capitalista, medido de acordo com os padrões ocidentais, permanece atrasado". O egoísmo sem freios e o oportunismo tendem a florescer não nos países onde o capitalismo desenvolveu-se, mas naqueles onde ele não se firma.


O argumento de Weber, diga-se de passagem, já estava contido na observação do economista inglês Alfred Marshall, segundo a qual "os métodos modernos de comércio requerem hábitos de confiabilidade, de um lado, e um poder de resistir à tentação de ser desonesto, de outro, que não se encontram no seio de um povo atrasado". Na visão marshalliana, a falta de uma infra-estrutura moral adequada é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do capitalismo e à superação da pobreza no mundo.


A evidência histórica e alguns episódios recentes confirmam plenamente esta observação. Considere, por exemplo, o desabafo sombrio feito há pouco pelo presidente do Zaire, Mobuto Seko: "Tudo é para vender, tudo é comprado em nosso país e, nesse tráfico, possuir qualquer fatia de poder público constitui um verdadeiro instrumento de troca, que pode ser convertido em aquisição ilícita de dinheiro ou outros bens". O Zaire, obviamente, não é aqui.
Outro exemplo é o depoimento de um policial chinês reproduzido na penúltima edição da "The Economist": "Há preço para tudo: um preço para tirar um ladrão da prisão, um preço para libertar um estuprador e até mesmo um preço para soltar um assassino".


Situações como essas não têm nada a ver com capitalismo em estado puro. Pelo contrário, sua vigência e generalização representam a negação da possibilidade de existência da economia capitalista. A inescrupulosidade no uso do dinheiro e a ausência de restrições morais, tanto nas relações privadas como naquelas entre o setor privado e o público, representam sinais claros do baixo grau de adesão dos indivíduos às normas de comportamento sem as quais a ordem de mercado e o capitalismo moderno são impossíveis.


O fato é que quanto maior o tamanho do Estado, maior o potencial do estrago causado pela eventual falta de ética dos governantes. Uma boa epígrafe para a revisão constitucional brasileira seria o alerta de Milton Friedman: "Um governo severamente limitado tem poucos favores a dar. Como consequência, haverá pouco incentivo para corromper autoridades estatais e o serviço governamental terá poucas atrações para as pessoas preocupadas principalmente com o enriquecimento pessoal". 

Texto Publicado na Folha de São Paulo
14 de janeiro de 1994

Eduardo Giannettida Fonseca é economista brasileiro, Doutorado em economia pela Universidade de Cambridgeonde foi professor entre 1984 e 1987 e de 1988 a 2001. Lecionou na FEA/USP. Atualmente é professor integral no Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), conhecido anteriormente como Ibmec São Paulo.


O Panteismo Ecologista Catastrófico





Por Thiago Mota Carneiro (*)

Quem teve de fazer trabalhos de ciências na década de 90 ou início do século XXI, provavelmente não deve lembrar muita coisa sobre reprodução das plantas ou dos anelídeos. Estranhamente, um modelo educacional tão ineficaz sob certos aspectos, a longo prazo tem, simultaneamente, uma capacidade enorme para converter alunos em adeptos panteísmo verde.

Se perguntado, um jovenzinho entre 9 e 13 anos poderia facilmente fazer chover estatísticas sobre a porcentagem de variação anual da centimetragem da espessura da camada de gelo no sul da Patagônia, o número de micos-cachorros-escarlate capturados e vendidos no mercado negro. Talvez não tanto, mas ao menos não hesitaria em apontar como o grande inimigo da sociedade, o descaso com a Gaia - a deusa-mãe das matas, florestas, micos-cachorros - a depredatória atividade humana que, em busca de seus interesses egoístas e maquiavélicos, gera o apocalíptico fim da humanidade pelo aquecimento global, o juízo final da Natureza para a espécie humana.

Nessa visão de mundo, muitos pensadores (Peter Singer - apenas para dar nome a um boi), utilizando-se de um discurso característico dos movimentos progressistas, aponta o especismo (preconceito no qual seres humanos afirmam ser melhores ou superiores aos outros animais), como grande mal do mundo. Nessa visão, cada ser vivo é um pedaço da divindade panteísta inviolável "natureza", e o pecado original é, na raça humana, violentar seus "irmãos membros" desse mundo Avatariano. Assim, pisar num ovo de tartaruga se torna tão imoral quanto assassinar bebês (a menos é claro que os últimos estejam em gestação, sendo um mero parasita na mulher). Assim, a extinção desse câncer humano, é algo até desejável, quanta vida não seria preservada se esses assassinos não parassem com a destruição?

Absurdidades à parte, o amigo liberal deve estar se perguntando: em que isso se relaciona com a economia e governo? Simples. A geração verde cresce, pressionando politicamente o governo para "salvar" a mãe-terra. A culpa, como sempre, recai nas grandes-satânicas-exploradoras-opressoras-empresas-capitalistas-nazi-fascistas que devem ser paradas a todo custo. As consequências imediatas são regulamentações que criminalizam praticamente qualquer empresa. Como a aplicação da lei é impossível, apenas as empresas inconvenientes ao estado sofrem as sanções. O resultado é a velha eliminação da concorrência e favorecimento político de grupos que financiam aquele partido.

Isso sem citar o fator óbvio: do encarecimento da produção. Para um empresa já sucedida, é relativamente simples cumprir as restrições, para alguém que quer abrir um negócio, uma utopia. Em regiões desenvolvidas, o dano é menor. Pior é onde aquele Cacto raro da caatinga não pode ser destruído, evitando assim a criação de um empreendimento que poderia tirar milhares de famílias da miséria. Nesse utilitarismo da fauna, o Cacto e a transcendente caatinga tem, visivelmente, muito mais valor do que aqueles três ou quatro famílias locais. Nesse ponto, a fome encontra a vontade de comer - incapazes de serem produtivos e buscarem a emancipação econômica, temos mais quatro família dependendo da "benevolência" do governo. Mais algumas dezenas de votos.

O ciclo alimenta a si próprio: as crianças bem escolarizadas são os novos bispos e párocos da seita verde e propagandistas do partido da Gaia; o empresário monopolista financia o jogo com tudo que tem: nada são umas bobas regulamentações para alguém que não tem concorrentes; o partido da mãe terra agora tem financiamento, ideólogos e votos de que precisa; e o povo? Esse pode dormir de consciência tranquila, afinal, são verdadeiros guerreiros na defesa do meio ambiente.

Vai Planeta!!




(*) Thiago Mota Carneiro é estudante de Engenharia Química, 19 anos, amante de clássicos do cinema, post bop, power metal, escola austríaca, Dostoiévski e supertrunfos. Deseja ter um Estado próprio no qual será governante, legislador e único cidadão, e por meio de comércio exterior (leia-se trocas não coercivas), suprir necessidades de sobrevivência.