Resenha do GAM: A História do crescimento do poder

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Por Sérgio Meneses

Bertrand de Jouvenel, no clássico da Ciência Política Du pouvoir, Histoire naturelle de sa croissance[1] demonstrou como a sociedade ocidental presenciou, nos últimos quinhentos anos, a escalada avassaladora do poder civil rumo ao controle irrestrito da atividade humana, materializada no surgimento dos Estados democráticos forjados pela Revolução Francesa. Foram esses os Estados capazes da proeza de exigir a mobilização integral dos recursos naturais e humanos para guerra total, jogando a humanidade em dois conflitos criminosos, que juntos ceifaram 100 milhões de vidas.

Com efeito, a escalada rumo ao Poder irrestrito pode ser sensivelmente percebida na evolução da história militar. Quando dos primeiros esboços do que viria a ser o Estado moderno, no século XII, não havia algo que se assemelhasse à conscrição militar, e o rei para a guerra dispunha de seus vassalos, que por juramento lhe deviam serviço militar por quarentas dias ao ano. As milícias demandavam recursos, mas estes eram limitados aos rendimentos dos domínios impostos pelas tradições feudais, insuficientes para financiar grandes campanhas. O combate nesse período, no qual o povo não tomava parte, era curto e não envolvia mais do que alguns milhares de homens, quase todos pertencentes à nobreza. “A guerra é então muito pequena: isto porque o poder é pequeno”, afirma Jouvenel. Como nomear esses tempos “belicosos”, como hoje se faz, quando há pouco mais de cinquenta anos nações democráticas constituíam coercitivamente exércitos de várias dezenas de milhões de soldados? De onde o Poder hauriu a força para exigir tamanho sacrifício dos homens, em geral completamente alheios aos seus caprichos?

Gestado num longo e complexo processo histórico que remonta a desagregação da sociedade feudal, o fenômeno começa a ganhar forma quando o Poder se desamarra dos laços que o obrigavam a prestar contas aos representantes do espírito. Rejeitado o princípio pelo qual sua legitimidade procedia do Céu, o Poder convenceu os homens que ele emana “do povo”. Morre a Cristandade, nascem os Estados Nacionais. Foi “em nome do povo” que o Poder gerou um novo tentáculo, o Legislativo, que a pretexto de criar leis em benefício do povo conferiu aos agentes do Poder o direito de impor arbitrariamente. As antigas leis, protegidas dos caprichos do Poder pela tradição espiritual e pela força dos costumes, podiam agora ser descartadas em favor de quaisquer simulacros legislados “pelos representantes do povo”. Não é de espantar que aquilo nunca ousado pelas monarquias, a conscrição militar obrigatória, tenha sido uma das primeiras leis e o grande sustentáculo da Revolução Francesa. Republicanamente promulgada pelo Poder que emana do povo. Contra o povo, agora lançado à guerra.

Dissolvidos os freios que a tradição cristã impôs ao seu exercício, o Poder pôde, em cinco séculos, agigantar-se até penetrar na vida dos homens como nunca antes imaginado. Dependemos do “Minotauro” para tudo: a propriedade e a liberdade não existem senão enquanto concessões, e a canetada de um burocrata as desfaz; ele expropria nossos bens e determina até o que podemos comer e beber; para exercer uma profissão, precisamos de sua autorização, e não podemos ir e vir sem a permissão de um de seus agentes onipresentes. Eis a era do Poder total, que se dissimula pelo novo ídolo que erigiu, a democracia. Deixo Jouvenel concluir: “Antigamente ele era visível, manifestado na pessoa do Rei, que se declarava um senhor e cujas paixões eram conhecidas. Hoje, mascarado por seu anonimato, ele pretende não ter existência própria”.






[1] Editado no Brasil em 2010 pela Peixoto Neto como O Poder, historia natural do seu crescimento.
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