Por Sérgio Meneses
Com
efeito, a escalada rumo ao Poder irrestrito pode ser sensivelmente percebida na
evolução da história militar. Quando dos primeiros esboços do que viria a ser o
Estado moderno, no século XII, não havia algo que se assemelhasse à conscrição
militar, e o rei para a guerra dispunha de seus vassalos, que por juramento lhe
deviam serviço militar por quarentas dias ao ano. As milícias demandavam
recursos, mas estes eram limitados aos rendimentos dos domínios impostos pelas
tradições feudais, insuficientes para financiar grandes campanhas. O combate
nesse período, no qual o povo não tomava parte, era curto e não envolvia mais
do que alguns milhares de homens, quase todos pertencentes à nobreza. “A guerra
é então muito pequena: isto porque o poder é pequeno”, afirma Jouvenel. Como nomear
esses tempos “belicosos”, como hoje se faz, quando há pouco mais de cinquenta
anos nações democráticas constituíam coercitivamente exércitos de várias
dezenas de milhões de soldados? De onde o Poder hauriu a força para exigir
tamanho sacrifício dos homens, em geral completamente alheios aos seus
caprichos?
Gestado
num longo e complexo processo histórico que remonta a desagregação da sociedade
feudal, o fenômeno começa a ganhar forma quando o Poder se desamarra dos laços
que o obrigavam a prestar contas aos representantes do espírito. Rejeitado o
princípio pelo qual sua legitimidade procedia do Céu, o Poder convenceu os
homens que ele emana “do povo”. Morre a Cristandade, nascem os Estados
Nacionais. Foi “em nome do povo” que o Poder gerou um novo tentáculo, o
Legislativo, que a pretexto de criar leis em benefício do povo conferiu aos
agentes do Poder o direito de impor arbitrariamente. As antigas leis,
protegidas dos caprichos do Poder pela tradição espiritual e pela força dos costumes,
podiam agora ser descartadas em favor de quaisquer simulacros legislados “pelos
representantes do povo”. Não é de espantar que aquilo nunca ousado pelas
monarquias, a conscrição militar obrigatória, tenha sido uma das primeiras leis
e o grande sustentáculo da Revolução Francesa. Republicanamente promulgada pelo
Poder que emana do povo. Contra o povo, agora lançado à guerra.
Dissolvidos
os freios que a tradição cristã impôs ao seu exercício, o Poder pôde, em cinco
séculos, agigantar-se até penetrar na vida dos homens como nunca antes
imaginado. Dependemos do “Minotauro” para tudo: a propriedade e a liberdade não
existem senão enquanto concessões, e a canetada de um burocrata as desfaz; ele
expropria nossos bens e determina até o que podemos comer e beber; para exercer
uma profissão, precisamos de sua autorização, e não podemos ir e vir sem a
permissão de um de seus agentes onipresentes. Eis a era do Poder total, que se
dissimula pelo novo ídolo que erigiu, a democracia. Deixo Jouvenel concluir: “Antigamente
ele era visível, manifestado na pessoa do Rei, que se declarava um senhor e
cujas paixões eram conhecidas. Hoje, mascarado por seu anonimato, ele pretende
não ter existência própria”.