A Mitologia do Bem-Estar

Por João Vinícius

Como podem os artigos de fé fundamentais da psicologia serem todos os piores absurdos e falsificações?”O homem aspira a felicidade”

                                                                       F. Nietzsche, Fragmentos Póstumos

A felicidade não consiste nos rebanhos e tampouco no ouro: A alma é a morada de nossa sorte.
                                                                                                          Demócrito




            Um dos males modernos que aflige a humanidade é a busca ilimitada do bem-estar material como substituto da felicidade espiritual. Sendo ela liquidada como um sonho do passado, de maneira sonhática que só afeta o indivíduo durante a juventude e o abandono dessa quimera da felicidade seria a fundamentação moderna do critério que estabelece a divisão entre a imaturidade e maturidade.

            Reale aborda o fato de que a felicidade é igual ao bem-estar material não é um consenso, fazendo referência ao capítulo anterior (Praxismo e Tecnicismo) o autor afirma que apesar de existir uma quantidade e variedade de bens matérias que a humanidade se quer sonhou, a mentalidade tecnológico-praxista em vez de preencher o homem o esvaziou, no momento em que deu um golpe duro na consistência moral do homem moderno. Sendo cunhada por Edgar Morin a fórmula do “mal-estar ou mal da civilização”.

            O grande golpe duro a que Morin se refere é a perda das antigas solidariedades existentes entre os homens, e a substituição por pseudo-solidariedades-burocrático administrativas, tristemente anônimas. Reale cita como referência a obra de Morin, Terra-pátria:

A cidade das mil luzes, que oferece variedade e liberdade, torna-se também uma cidade tentacular, cujos vínculos – como a rotina casa/escritório/metrô – sufocam a existência e em que os estresses acumulados esgotam os nervos. A vida democrática regride. Quanto mais os problemas adquirem uma dimensão ética, mais fogem à competência dos cidadãos em benefício dos especialistas. Quanto mais os problemas se tornam políticos, menos os políticos conseguem integrá-los em sua linguagem e em seus programas. O homem produtor é subordinado ao homem consumidor, este ao produto vendido no mercado, e este último a forças libidinosas cada vez menos controladas, naquele círculo vicioso  e não apenas um produto dirigido para o consumidor. Uma agitação superficial toma conta dos indivíduos no momento em que conseguem escapar dos vínculos escravizadores do trabalho. O consumo desregrado torna-se hiperconsumo bulímico que se alterna com as dietas feitas de provações: a obsessão dietética e a obsessão pela forma multiplicam os medos narcisistas e os caprichos alimentares, mantêm vivo o culto dispendioso das vitaminas e dos oligoelementos. Nos ricos, o consumo torna-se histérico, maníaco pelo standing, pela autenticidade, pela beleza, pela cor pura, pela saúde. Eles dominam as vitrines, os grandes magazines, os pequenos mercados de pulgas. A mania das frivolidades torna-se mania das ninharias.

            A transformação do trabalho de meio em fim, foi captada por Nietzsche quando ele escreve: “É preciso trabalhar, senão por gosto, pelo menos por desespero, porque, feitas as contas, trabalhar é menos tedioso do que se divertir”. E como efeito desse argumento de Nietzsche, Morin e Anne Brigitte Kern relatam:

 É muito difícil reconhecer a verdadeira natureza do mal da civilização, dadas todas as suas ambivalências, suas complexidades. Precisamos ver seus subsolos minados, as cavernas, os abismos subterrâneos, juntamente com o desejo de viver e a luta surda e inconsciente contra o mal. Precisamos ver o conjunto de desumanização e reumanização. Precisamos ver as satisfações, as alegrias, os prazeres, as felicidades, mas também as insatisfações, os sofrimentos, as frustrações, as angústias, as infelicidades do mundo desenvolvido, que são diferentes, mas não menos reais que as do mundo subdesenvolvido. O que luta de modo vital contra as forças da morte dessas civilizações também faz parte desta civilização. As neuroses que ela provoca não são apenas um efeito do mal: mas também um compromisso mais ou menos doloroso com o mal para não ser devorados por ele. As reações ao mal são insuficientes? O mal se ampliará? De todo modo, nossa civilização não pode mais ser considerada uma civilização que tenha alcançado um patamar de estabilidade. Depois de ter liberado incríveis forças criativas, e depois de tr desencadeado inacreditáveis forças destrutivas, nossa civilização se encaminha para sua autodestruição ou para sua metamorfose?

As raízes niilistas do mal estar da civilização

            Reale afirma que a origem da substituição da felicidade pela fruição dos bens de consumo produzidos pela técnica tem raízes do niilismo, mostrando um fragmento de Nietzsche discorrendo sobre a felicidade e os objetivos do homem, quando ele diz que o homem não aspira a felicidade e sim a potência, fazendo uma comparação do homem com as plantas, tendo como base o objetivo de plantas em uma floresta ao almejar a expansão, e não a felicidade.
           
Platão contra a “voracidade”

            Apesar dos tempos contemporâneos ser o período de destaque para esse “mal-estar”, podemos ver a defesa do hedonismo desenfreado na antiguidade em Górgias, onde Sócrates tenta convencer Cálicles de que a felicidade não se resume a uma vida igual alma tarambola, comendo e defecando sem parar,  e usa como argumento o fato da simples saciação dos desejos materiais faria  dos desavergonhados felizes.


Os pré-socráticos e a felicidade

            O conceito grego de felicidade está ligada a palavra eudaimonia (ευδαιμονία). Originalmente, significava ter um bom gênio protetor, do qual se considerava que dependia de uma vida próspera. Mas, antes de Sócrates, pensadores como Heráclito e Demócrito haviam espiritualizado essa concepção, podendo-se ver quando Demócrito diz: “A felicidade não consiste nos rebanhos e tão pouco no ouro: a alma é a morada de nossa sorte”A mensagem de Sócrates

            A partir desse ponto o autor deixa de só atacar a ideia da felicidade se resumir ao estado material e começa a defender o que seria a felicidade na visão dele.

            Começa com uma citação de Sócrates: “Se queres ser feliz, cuida da tua alma”. E mostra o que significava felicidade para os helênicos, uma estado mental ligado aretê (ἀρετή), excelência, sendo representado pela “a plena e perfeita manifestação daquilo que ele é, e daquilo que o torna válido”.

            E podemos ver essa valorização da virtude e da alma, quando em Apologia de Sócrates oferecem a Sócrates a oportunidade de ser inocentado, desde que renuncie a filosofia, ou seja ao exercício de engrandecer a alma e as virtudes, ele recusa, preferindo a morte a deixar de ter essa felicidade.


A felicidade como harmonia da alma

            Aqui Reale mostra como Sócrates corroborava que a felicidade estava em ser justo, honesto e bom, com a justa medida da justiça, e mostra isso em os Górgias num diálogo entre Sócrates e Polo.

            Além disso no fim ele afirma que a eudaimonia consiste no que você é e não no que você tem.

Aristóteles: A felicidade como contemplação

            Aqui Aristóteles defende a ideia de felicidade derivada da contemplação da verdade, fruto de um conhecimento elevado digno de um deus, um estado em que a atividade teorética brota naturalmente, não causando cansaço e diferenciando o homem dos outros animais por ter essa capacidade que permitisse a felicidade.

A felicidade segundo as filosofas da era helenística e imperial

             Na parte final, observa-se a utilização do ideal lançado por Sócrates de que não ter necessidade de nada é próprio de deuses e ter muita pouca é próximo da divindade no período helenístico, seja por Diógenes com seu estilo de vida e a anedota com Alexandre Magno, seja por Epicuro defendendo que o homem só deve satisfazer seus desejos naturais, pois os desejos naturais não tem fim, pois quanto mais se teria mais se queria, e Sêneca mostrando que os homens que a comunidade mais consideram felizes, são os mais felizes. E por fim reforça que a busca ilimitada pelo bem-estar material pode levar ao homem tão obcecado por ter deixar de ser.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS



REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: Terapia para os tempos atuais. São Paulo: Edições Loyola, 2002.



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