A Perda do Sentido da Forma: Platão e a dimensão ontológica do Belo

Por Hérico Oliveira (*)



1. Nietzsche diante do belo: o assassínio da forma
  • Estética subjetiva: o homem que cria o belo para humilhar-se.
  • Na Grécia belo e bem uma só coisa. Nietzsche quer separá-los: “De que temos saudade diante da beleza? De ser belos: pensamos que muita felicidade depende disso. Mas é um erro”


2. A ampliação do in-forme e do dis-fome (a arte contemporânea como reflexo da doença espiritual dos tempos)
  • “É impossível dizer o que é arte” (Pietro Ottone)
  • A arte abstrata é supervalorização das formas (cores, cor, som etc.) e imposição da insignificância dos conteúdos. A arte fica “formalista”
  • Circulo restrito de apreciadores (e “entendedores” ) da arte.
  • A arte é criação da ordem na desordem; mas a arte abstrata, querendo supervalorizar a forma, acaba perdendo o sentido da forma.
  • “Em vários campos da Arte, abstrações que marcam o triunfo do dis-forme e do in-forme são tachados como obras-prima. Na verdade, trata-se de autêntica feiura.”
  • “A crise expressiva da arte integra, portanto, aquela crise mais geral da perda do sentido e do desvio de valores”


3. Certos manifestos estéticos e filosóficos da arte contemporânea
  • “Se viu na desordem e no disforme uma revolução construtiva e benéfica de uma maneira burguesa de conceber o mundo e a vida”
  • Ideologização da arte. A arte se reduz à luta política
  • As vanguardas privaram a arte do belo e a submeteram a algum outro valor.
  • Submissão da beleza ao poder
  • A obra de arte é sempre uma obra demiúrgica


4. Ciência e beleza

  •     Segundo Reale“Reeducar o homem de hoje significa sobretudo ajuda-lo a desenvolver juízos de valor, mais que o pensamento racional”.

5. Origem do conceito de forma

  • Ligado ao conceito de idea platônica, como o objeto do pensamento

6. Ligações estruturais entre a forma, número e relações numéricas

  • Conceito de harmonia

7. O belo coincide com o bem.

  • “A beleza coincide com a bondade, é, com efeito, medida, proporção, e também virtude”
8. A beleza como revelação do supra-sensível no sensível.

  • A beleza como bem que mais revela a reminiscência platônica. É o que faz, através dos sentidos, retornar diretamente ao Uno original.

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Para Francisco Razzo:
“Duchamp deveria vir no cereal matinal de todo bom conservador. Não tentem reduzir a sua obra ao "Urinol". "Como pode um Urinol ser objeto de arte? Nesse caso, funk também seria." Há uma montanha de problemas filosóficos nível 'hard' pressupostos na discussão sobre o estatuto da obra de arte, que poderiam ser retomados à luz de sua obra. Pense na dificuldade em dizer que Mozart é mais arte do que Mr. Catra. Não há nada de óbvio nisso, porém a gente sabe que Mozart é arte, e Mr. Catra, não. No caso do Duchamp a coisa não é tão simples. Uma frase sua, diz: "Esta é a tradição na qual a arte se devia voltar: para uma expressão intelectual, e não uma expressão animal" (Duchamp). É... como já diria o divino Platão, as coisas belas são difíceis.”

1. O que é arte?

  • A arte como criação e mimese:
  • Etimologia da palavra arte: “Arte vem da raiz sânscrita ar, donde passou para o grego Arthron e para o latim ars, artis. Significa, na origem, juntar, combinar partes, como se vê em articulação (junta de ossos) e artrite (junta inflamada). Por associação de idéias passou a significar invenção, engenho, engenhosidade, vivacidade... Está demonstrado que, de origem, arte é habilidade manual, realização de trabalho cuidado porque o radical significa reunir e é preciso um todo harmônico” (CASCUDO, 2004, p. 569-570)
  • A arte como mimese em Aristóteles: “A epopeia e a poesia trágica e também a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte da aulética e da citarística, consideradas em geral, todas se enquadram nas artes da imitação” (ARISTÓTELES, 2011, p. 23); e “Sendo o poeta um imitador, como o é o pintor ou qualquer outro criador de figuras, perante as coisas será induzido a assumir uma das três maneiras de imitar: como elas eram ou são, como os outros dizem que são ou como parece serem, ou como deveria ser” (ARISTÓTELES, 2011,p. 88)
  • Mimese e criação em Platão: “E quanto ao marceneiro? Acaso não lhe chamaremos o artífice da cama? – Chamaremos. – E do pintor, diremos também que é o artífice e autor de tal móvel? – de modo algum. – Então que dirás que ele é, em relação à cama? – O título que me parece que se lhe ajusta melhor é o de imitador daquilo de que os outros são artífices. – Está certo – concordei eu- chamas, por conseguinte, ao autor daquilo que está três pontos afastado da realidade, um imitador.” (Platão, 2008, p. 296); “Pois então observe o seguinte: o criador de fantasmas[1], o imitador, segundo dissemos, nada entende da realidade, mas só da aparência. Não é assim?”
  • Nosso bom Deus, Criador de todas as coisas, diz no início de tudo: faça-se isso, faça-se aquilo. Ordena, coloca ordem, faz do caos um cosmo: cria. O homem, criação maior de Deus, sendo artista, dotado da mimese, tenta imitar seu Criador; tenta criar uma ordem, ordenar uma forma em uma matéria. Não é isso uma subcriação, porque o artista não está a obedecer ao mandamento sagrado do crescei e multiplicai; É uma imitação, uma mimese, uma tentativa de copiar a ordenação divina.

2. Por que “Mozart é mais arte do que Mr. Catra”?

  • Ambos podem ser considerados arte, mas não de mesmo valor.
  • “Em vários campos da Arte, abstrações que marcam o triunfo do dis-forme e do in-forme são tachados como obras-primas. Na verdade, trata-se de autêntica feiura... A crise expressiva da arte integra, portanto, aquela crise mais geral da perda do sentido e do desvio de valores”

3. O que é o belo?

  • A beleza é a flecha de Cupido, faz-nos lembrar de nossa herança sagrada: “Alma participa do divino mais do que qualquer outra coisa corpórea. O que é divino é belo, sábio e bom” (PLATÃO, 2011, p. 83); “logo que percebe, através dos olhos, a emanação da beleza, sente esse doce calor que alimenta as asas da sua alma” (PLATÃO, 2011, p. 88);

4. Por que Mozart é belo e Mr. Catra não? O que é o belo?

  • O belo é relativo? “Com Kant é que se pode estabelecer a distinção entre estética subjetiva e objectiva” (SANTOS, 1959, p. 260).
  • A estética objectiva.

5. Dualismo antinômico de Mário Ferreira dos Santos:


  • Caráter racional (formal e objetivo) e intuito (material e subjetivo) na apreciação da obra de arte: “não há que negar que se nota, em toda a Estética, o mesmo antagonismo que se manifesta na extensidade e intensidade.”.
  • A extensidade é o meio de expressão da obra de arte pelos sons, palavras, cores etc. É o caráter formal e técnico da obra (na poesia, métrica, rima etc.).
  • A intensidade simboliza os caracteres qualitativos da obra de Arte, o que o artista diz”. É o quid da obra de arte.
  • Há uma relatividade do sujeito que realiza e contempla a obra de arte, não na arte propriamente diga. Assim, o belo pode não ser absorvido por um sujeito.
  • O caráter extensivo (racional e objetivo) da obra de arte em Aristóteles: “Propomo-nos tratar da produção poética em si mesma e de seus diversos gêneros, dizer qual a função de cada um deles, como se deve construir a fábula, no intuito de obter o belo poético” (ARISTÓTELES, 2011, p. 23)
  • O caráter intensivo (intuitivo e subjetivo) da obra de arte em Platão: “Com efeito, o poeta é uma coisa leve, alada, sagrada, e não pode criar antes de sentir a inspiração, de estar fora de si e perder o uso da razão. Enquanto não receber este dom divino, nenhum ser humano é capaz de fazer versos ou de proferir oráculos. Assim, não é pela arte que dizem tantas coisas belas sobre os assuntos que tratam, como tu sobre Homero, mas por um privilégio divino, não sendo cada um dele capaz de compor bem senão no gênero em que a Musa o possui” (PLATÃO, 1988, p. 51); “Há ainda uma terceira espécie de delírio: é aquele inspirado pelas Musas. Quando ele atinge uma alma virgem e pura, transporta-a para um mundo novo e inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamento às novas gerações. 245 Mas quem se aproxima dos umbrais da arte poética, sem o delírio que é provocado pelas Musas, julgando que apenas pelo intelecto será bom poeta, sê-lo-á imperfeito, pois que a obra poética inteligente empalidece perante aquela nascida do delírio” (PLATÃO, 2011, p. 81)

6. Finalização: Por que Mr. Catra é “mais arte” que Duchamp?


  • “Vemos o carácter histórico da própria arte, que reflete também a alma de um artista, de um povo, de uma era” (REALE, 2002, p. 263).
  • “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom.” (Gênesis 1: 31)




[1] A educação estética é importante: “Para Aristóteles, o conhecimento começa pelos dados dos sentidos. Estes são transferidos à memória, imaginação ou fantasia, que os agrupa em imagems, segundo suas semelhanças” ( Olavo de Carvalho, 2013, p. 35)..


Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Claret, 2011.

BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. 160 ª ed. São Paulo: Ed. Ave Maria, 2004.

CASCUDO, Luís da Câmara. Civilização e Cultura, ed. Global, 2004, p. 569-570

CARVALHO, Olavo de. Aristoteles em uma nova perspectiva. Campinas: Vide Editorial, 2013.

PLATÃO, Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2011.

________. A República. São Paulo: Martin Claret, 2008.

________. Ion. Lisboa: Editora inquérito limitada, 1988.

REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: Terapia para os tempos atuais. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

SANTOS, Mario Ferreira, Filosofia e Cosmovisão. 4 ed. São Paulo: Editora Logos, 1959.




(*) Roteiro da apresentação do Capítulo VI do livro "O saber dos antigos", de Giovanni Reale.
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