Por Aluizio Neto (*)
- Introdução
Meus
colegas que apresentaram anteriormente se delongaram bastante sobre a temática
Nietzsche, o niilismo e as consequências que idéias têm na história humana.
Desse modo, falarei de maneira mais livre sobre esses assuntos.
Com frequência, na história moderna, fatos são
esmagados por idéias e não o contrário. Tenho uma má notícia que foi dada 200
anos atrás por Burke: ”se uma grande mudança é para ser feita nos assuntos
humanos, as mentes dos homens adaptar-se-ão a ela, as opiniões e os sentimentos
gerais confluirão para esse destino. Todos os medos, todas as esperanças a
seguirão; e aqueles que persistirem em se opor à esta poderosa corrente nos
assuntos humanos parecerão resistir aos próprios decretos da Providência e não
tanto aos meros desígnios dos homens. Não serão resolutos e firmes, mas
perversos e obstinados”. A parte positiva é que a mente do cidadão[1]
não deve se limitar ao imediatismo, mas sempre tentar observar o panorama maior
que tem a chave explicativa do presente. Se o fizer poderá perceber que o
ideologismo propagado por Karl Marx contém a própria semente do niilismo ou do
fim das ideologias que lhe sucede. Pois se nada é necessariamente verdadeiro e
os Direitos do homem são apenas uma superestrutura criada unicamente pra
legitimar a dominação burguesa no Ocidente, porque alguém se arriscaria à
defender o que quer que seja? As bases supostamente científicas do pensamento
marxista não sobreviveram ao teste do tempo e caíram no esquecimento, levando
por baixo a credibilidade da ideologia. O que restou? Apenas a propaganda.
Frente à esses inimigos o convervadorismo emerge como a tentativa de defesa do
“contrato primitivo da sociedade eterna” ( Burke) ou como preferia Chesterton,
“a democracia dos mortos”. É o verdadeiro humanismo o que reconhece a posição
humilde do homem frente à Deus. Frente a isso o humanismo de Erasmo de Roterdã
e Galileu não são nem o culto às idéias de homens mortos, mas o culto à
palavras escritas em livros empoeirados por homens mortos.
- Ideologia e sua relação com o conservadorismo
Ideologia
significa basicamente a crença que o mundo pode ter todas as suas tensões
eliminadas e ser convertido num tipo de Paraíso a partir da ação da lei
positiva e do planejamento seguro. Nesse sentido, o conservadorismo não é uma
ideologia, pois não têm um corpo de idéias fixo nem uma unidade de propostas
políticas. É bastante complicado definir o que é o conservadorismo, e no
“conservative mind” (livro do Kirk o qual inicia uma era em que o
conservadorismo norteamericano adquire notoriedade e uma certa identidade
comum), o autor descreve os conservadores como pessoas unidas por uma intuição
fundada em ideais universais divididos em seis aspectos. A parte irônica que ilustra
a dificuldade em apontar o que o conservadorismo kirkeano defende é que o
próprio Russel Kirk utiliza de uma categorização diferente e até um pouco
contraditória em edição posterior.
Segundo
Platão o princípio fundamental da Política é a Prudência (“fronesis”). Como erigir um corpo de princípios subjacentes à este?
Me arvorei na divisão feita por João Pereira Coutinho que segue abaixo.
-
Imperfeição humana: é basicamente compreender as limitações intelectuais que
partilha mais ou menos equitativamente todos os membros da humanidade.
Basicamente, é saber que não é possível reduzir os problemas de uma comunidade
política à uma dúzia de postulados ou equações que a razão humana iria resolver
por si só.
-
Sentido da realidade: “Por mais absorto que um general esteja na elaboração de
suas estratégias, às vezes é importante levar em consideração o inimigo”
Churchill. Nas palavras de Burke: “as circunstâncias dão a cada princípio
político a sua cor distinta e efeito discriminatório”. Um estadista deve sempre
conhecer as circunstâncias nas quais se inscreve a possibilidade de ação
política, pois deve-se levar em conta a situação como ela é e não como deveria
ser à luz de nossa própria forma mentis. Parece óbvio mas é extremamente
urgente que se brade do alto dos telhados.
-
Os testes do tempo: Não há que se falar em arqueologias ou precedência dos
mortos sobre os vivos, simplesmente a constatação que as tradições políticas
fruto de uma escolha coletiva consciente que sobreviveram à passagem do tempo
não devem ser desprezadas. Mesmo que sejam imperfeitas a experiência histórica
contribui para o aperfeiçoamento das instituições. Como diz o adágio popular:
“é melhor um diabo que você conhece, do que um que não se conhece”.
-
A reforma prudente: Aquilo que não pode ser mudado não tardará por padecer
devido à sua falta de vitalidade, o que foi entendido como bom um dia se
tornará uma prisão tirânica ( ou seja, mudará). O político conservador pode ter
um plano de reforma social com base em seus valores, mas que nunca perca de
vista que a comunidade é um ser que tem vida e reage. Tentar pôr em prática
planos sem procurar saber o que o povo acha disso é no mínimo temerário. A
reforma feita passo-a-passo pode evitar os medos que habitam no desconhecido.
-
Sociedade de comércio: O mal do liberalismo se dá quando o mesmo reduz as
relações pessoais a critérios “economicistas”, de ganhos e perdas, sem outras
considerações valorativas. A sociedade comercial produziria uma “sociedade de
filisteus”, como diria Heine. Essa é a acusação sofrida por Tatcher em seu
governo, de que reduziria os problemas do Estado em meras contas de
supermercado. O problema é que tudo que a “Dama de Ferro” fez foi continuar uma
tradição inglesa muito antiga de entender o mercado como um “sistema de liberdade
natural” (Smith). O conservadorismo deve começar a respeitar a vontade dos
homens e não impor autoritariamente um sistema de preferências e valores que
devem ser soberanos. (anedota do Kirk)
Fatos
interessantes: Russel Kirk criticou o uso de bombas nucleares contra o Japão
durante a Segunda Guerra Mundial, censurou a atuação do senador Joseph R.
McCarthy (1908-1957) na caça aos comunistas, notar os defeitos gerados pelo
conformismo do chamado “American Way of Life”, desaprovar a doutrina da guerra
preventiva e a entrada dos EUA na guerra do Vietnã. Apoiou inclusive a
candidatura de Patrick Buchanan nas primárias do Partido Republicano em 1992
como uma forma de demonstrar desaprovação às direções tomadas pela
administração de Gerge Herbert W. Bush tanto na política interna quanto
externa. Margareth Tatcher foi amplamente criticada por políticos conservadores
que se diziam herdeiros do pensamento burkeano porque não aceitavam as mudanças
da Primeiro-ministra, dentre outras coisas, com relação aos sindicatos
ingleses, taxando-a de “neoliberal” (seja lá o que isso for). Winston Churchill
apoiou o bombardeio deliberado de civis alemães na WW2. O último livro
provavelmente que Adolf Hitler leu foi a biografia de Frederico 2 da Prússia,
escrita por Josef de Maistre. Por fim, Patrick Buchanan[2]
escreve um livro chamado “Churchill, Hitler e a guerra desnecessária” em que
argumenta várias questões demonstrando que Hitler não queria uma guerra mundial
nem dominar toda a Europa e comenta vários erros estratégicos de Churchill.
O
conservadorismo seria uma ideologia diferente das demais, mesmo as mais
moderadas, devido ao seu caráter posicional ou reativo. Na medida em que os
fundamentos de uma sociedade livre são ameaçados é que a ideologia conservadora
se mostra. É por esse motivo que a maioria dos conservadores nega-se a definir
seu posicionamento político usando termos técnicos ou científicos. A prudência
alerta sobre a desnecessidade em fazê-lo;
Samuel
Huntington nos alerta: “Não existe uma distinção válida entre “mudar pra
frente” e “mudar pra trás. Mudança é mudança; a história não se retrai nem se
repete; e toda a mudança se afasta do status
quo. À medida que o tempo passa, o ideal de reacionário distancia-se cada
vez mais de qualquer sociedade real que tenha existido no passado. O passado é
romantizado e, no fim, o reacionário acaba por defender o regresso a uma Idade
de Ouro idealizada que de fato nunca existiu. Ele torna-se indistinguível de
outros radicais, e normalmente exibe todas as características singulares da
psicologia radical”.
Russel
Kirk tinha consciência de que a conservação dos princípios mais valiosos da
nossa civilização não irá ocorrer por intermédio da política partidária, mas
pelo cultivo da imaginação e por um verdadeiro projeto educativo pautado no
primado da família, na competição de currículos, na diversidade de instituições
de ensino com ênfase em escolas independentes e na instrução de princípios
morais. A educação obrigatória começou com o governo de Frederico II, segundo
rei da Prússia, de orientação calvinista e tendência pietista. O ideal não era
defender a liberdade e a igualdade ou de possibilitar cidadãos altamente
capazes em raciocinar acerca do mundo ao seu redor, mas sim usar a educação
para fins políticos. A moral religiosa foi trocada pelo senso de dever
patriótico ou para a cidadania, obediência ao clero pela obediência ao Estado.
- A realidade como um aglomerado de símbolos e tensões
“Apenas
a compreensão dos diferentes tipos de imaginação e dos conceitos destacados nos
permite captar a essência do conservadorismo kirkeano, não como uma proposta
política, mas como “um estilo de vida, forjado pela educação e pela cultura”
que se expressa “numa forma de humanismo cristão, sustentado por uma concepção
sacramental da realidade”, em que fatos e circunstâncias culturais, como a
moral e instituições sociais, não são acidentes históricos, mas
“desenvolvimentos necessários da própria natureza humana.”[3]
É patente o quanto os valores defendidos pela educação compulsória estatal na
maioria dos países ocidentais são totalmente avessos à educação liberal.
Justamente porque o foco dos mesmos não é pessoal e na aprendizagem, mas um
meio para reafirmar a ideologia estatal.
Segundo
Russel Kirk: “O mal da desagregação normativa corrói a ordem no interior da
pessoa e da república. Até reconhecermos a natureza dessa enfermidade, seremos
forçados a afundar, cada vez mais, na desordem da alma e do Estado. O
reestabelecimento das normas só pode começar quando nós, modernos, viermos a
compreender a maneira pela qual nos afastamos das antigas verdades. A boa e má
literaturas exercem influência poderosa sobre o caráter privado e sobre a
organização política da sociedade. Teoria e prática políticas virtuosas
possibilitam a manutenção e a melhora da virtude privada; a política
desvirtuada irá, necessariamente, desvirtuar o caráter humano. Portanto, se a
compreensão ética for ignorada nas letras e na política modernas, seremos
deixados à mercê de um apetite privado descontrolado e de um poder político
opressivo. Terminaremos nas trevas. Meu objetivo é auxiliar na reforma daquilo
que Edmund Burke chamou de “guarda-roupa da imaginação moral”. Quando a
imaginação moral se enriquece[4],
as pessoas se percebem capazes de grandes coisas; quando ela é empobrecida, as
pessoas não podem agir, com eficácia, nem pela própria sobrevivência, a
despeito da abundância de recursos materiais. Não sugiro, nestas páginas,
nenhuma panaceia, mas tento apontar o caminho para os princípios mais básicos.
A maioria desses princípios é muito antiga, mas foi obscurecida pelo descaso”.
Continua ele: “No processo de recuperação da normalidade, devemos compreender
que a sociedade é “iluminada por um complexo simbolismo, com vários graus de
compactação e diferenciação”, que são partes integrantes da realidade; por
conta disso nossa tentativa de entendendimento da ordem deve ser elaborada “a
partir do rico conjunto de autorrepresentações da sociedade”.
- Reflexões últimas
No livro “A montanha mágica” de Thomas Mann, o conflito
ideológico é personificado pelos debates entre Settembrini ( italiano humanista
revolucionário) e Naphta ( ex-jesuíta reacionário que quer promover a revolução
conservadora) que visam educar ou convencer o jovem Hans Castorp (paisano até
então desinteressado por política). Ele reconhece os dois em pólos opostos no
início, mas depois em uma das reflexões que muitas vezes eles se confundem numa
pessoa só. O desfecho desses dois personagens se dá quando uma picuinha dá
origem a um duelo de pistolas. Settembrini é incapaz de participar daquele
ritual e não tem coragem de atirar, já Naphta hesita e acaba por
deliberadamente atirar em si mesmo. O italiano, traumatizado, nunca se recupera
do acontecido e poucos dias depois também morre.
Esse
complexo simbolismo é o tema predominante dos grandes poetas e escritores da
humanidade. O que os une é essa intuição não-imediata de uma ordem
transcendente que os supera infinitamente, mas que escapa à definições
científicas. Percebam que falamos daquilo que o paradigma “direita-esquerda” é
totalmente ineficiente em identificar. É como tentar identificar pontos
localizados em múltiplas dimensões a partir de um gráfico unicamente composto
por um eixo horizontal X. Um bom exemplo de riqueza de imaginário conservador é
T S Eliot, leitor voraz de Charles Maurras e Julien Benda, estudioso de
religião comparada e hinduísmo, anglicano devoto e, ainda assim, autor
profundamente admirado pelos católicos do século XX. A Bíblia tem a resposta
pra esse caso emblemático: “O homem espiritual julga à todos e não é julgado
por ninguém”.
“A
comunicação dos mortos se propaga – língua de fogo- para além da linguagem dos
vivos” ultimo dos 4 Quartetos T S Eliot
“Sócrates
– Mas para quem realiza coisas belas, também é belo sofrer tudo o que for
preciso. Fedro de Platão (274B)
Referências básicas:
- A era de T S Eliot, a
imaginação moral do século XX. Russel Kirk
- Política da prudência.
Russel Kirk
- As idéias conservadoras.
João Pereira Coutinho
- Direito Natural e história.
Leo Strauss
- A montanha mágia. Thomas
Mann
- Origem da educação
obrigatória: Um olhar sobre a Prússia. Filipe Rangel Celeti
Link:
http://www.uniesp.edu.br/revista/revista13/pdf/artigos/06.pdf
(*) Texto apresentado na reunião ordinária do GAM em dia 23 de julho de 2014.
[1]
Vale ressaltar que o conceito de filósofo na Modernidade, geralmente ideólogo
ou aspirante à ideólogo do Estado em nada se coaduna com a visão grega do
termo. Nesse sentido, não havia nenhum filósofo na Grécia Antiga. O que
existiam eram homens que entendiam teorias filosóficas como inseparáveis da vida
prática.
[2] Político conservador americano muito
importante, foi “Senior advisor” de vários presidentes americanos de sua época.
[3]
Alex Catharino, Apresentação do livro “A era de T S Eliot” de Russel Kirk
[4]
Imaginação moral é a que nos possibilita discernir acerca do que pode ser a
pessoa humana apreendendo, por alegorias, a correta ordem da alma e a justa
ordem da sociedade. Pode ser encontrada na literatura que encoraja a visão do
homem segundo as religiões tradicionais (milenares).