Niilismo, a segunda Queda

Por Arthur Dutra (*)

I - O niilismo

- Fórmula global: “Deus está morto!”. Formulação que ultrapassa o mero ateísmo, conforme disse Heidegger no ensaio “A sentença de Nietzche”.

- A sistematização de Nietzsche;
- A vontade de potência como superação do niilismo;
- O super-homem de Nietzsche (correspondência do Raskólnikov, de Crime e Castigo).

- O niilismo como ideal de suprema potência num mundo onde todos os valores se desvalorizam, os valores serão selecionados a partir de um ponto de vista que permita não só a conservação e o aumento do poder do homem, mas a transformação dele num super-homem. A melhor ilustração para o fenômeno foi dada por Dostoiévski na figura de Raskolnikov, e de três personagens de Os Demônios:

- Kirillov, encarnando o niilismo filosófico ao pretender tornar-se Deus ao se matar;
- Stravóguin, encarnando o niilismo existencial, aplicado às suas relações sociais;
- Piotr Vierkóvienski, aplicando o niilismo no campo político-revolucionário (morte de Chátov).


III – A segunda Queda

a)    Correspondência bíblica: o Pecado Original, a raiz primeira de todos os males.

“397. Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador (273). Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem (274). Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade.

398. Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente «divinizado» por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis «ser como Deus»(275), mas «sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deus» (276).”

Catecismo da Igreja Católica

"O Pecado Original", por Michelângelo


b)    A origem do Mal e sua presença no mundo. A queda dos anjos

- Santo Agostinho e o encontro com o Mal através do supremo bem em Jesus Cristo. Somente a experiência do Bem dá ao homem a condição de enxergar o verdadeiro Mal.

- Daí porque a “morte de Deus” anunciada por Nietzsche traz como consequência imediata a exclusão da distinção entre bem e mal, razão pela qual o relativismo mostra-se como uma praga destrutiva num mundo em que o homem é a medida de todas as coisas, guiado por sua vontade de potência num mundo onde nada faz sentido.

Porque «o mistério da iniquidade» (2 Ts 2, 7) só se esclarece à luz do «mistério da piedade» (259). A revelação do amor divino em Cristo manifestou, ao mesmo tempo, a extensão do mal e a superabundância da graça

Catecismo da Igreja Católica


c)    A Queda como o primeiro sinal da desconfiança com Deus;


d)    Homem x Deus

- Adão quer se equiparar a Deus: “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.”, Gênesis 3,5.

- Nietzsche quer superar Deus e a própria transcendência: “Deus está morto”.


e)   O passo adiante do niilismo

- Os dez novos pecados criados pelo niilismo. A progressividade do pecado. Citação de Santo Atanásio, página 130.

Todos os homens estão implicados no pecado de Adão”, diz o Catecismo da Igreja Católica, mas só alguns dão o passo adiante do niilismo, seja por vontade, seja por ignorância maleficamente induzida.


f)     A raiz demoníaca do niilismo

- O demônio para Adão: desobedece a Deus e serás como Deus. E o homem caiu, mas Deus enviou Jesus Cristo para oferecer redenção, visto que não seria coerente deixar que sua obra fosse tragada pela ação demoníaca.

- Mas nem a morte nem a presença do Verbo Encarnado foram ainda suficientes para fazer com que o homem confiasse totalmente em Deus. Ele foi adiante nas tentações do demônio.

- Depois de Cristo, o demônio, vendo que Deus ainda habitava os corações dos homens, diz: descrê de Deus e do céu e serás, tu mesmo, o próprio Deus. “Deus está morto”.

- A imensidão dos desdobramentos desta ideia satânica conduz à seguinte pergunta: esta segunda proposta do Diabo seria a segunda Queda, aquela que vai desencadear o retorno de Cristo para o Juízo Final?


III – A cura – JESUS CRISTO

- Embora Reale nos sugira a cura oferecida pelos antigos, temos no Ocidente outro meio de nos salvar do Mal causado pelo niilismo: Jesus Cristo.


Depois da Queda o homem não foi abandonado por Deus”.

Catecismo da Igreja Católica


Competia-lhe reconduzir o corruptível à incorrupção, e salvar o que convinha ao Pai em todas as coisas. Ele, o Verbo de Deus, acima de tudo, era o único, portanto, capaz de refazer todas as coisas, de sofrer por todos, se der em favor de todos digno embaixador junto do Pai”.

Santo Atanásio, p. 133


- Se com o Pecado Original o Diabo prometeu aos homens que se eles desobedececem a Deus, enxergariam a distinção do bem com o mal, com o niilismo ele colocou o véu que o fez cegar para ambos, desorientando-o num mundo sem referências. Só Cristo será capaz de fazê-lo voltar a enxergar, pela Graça, a extensão do Mal através da comparação com o Bem oferecido pelo Pai através Dele, Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus.

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Referências bibliográficas

- REALE. Giovanni. O Saber dos Antigos. Terapia para os tempos atuais. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

- Catecismo da Igreja Católica. Edição típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

- ATANÁSIO. Santo. Contra os pagãos e outros escritos. São Paulo: Paulus, 2002.

- PONDÉ. Luiz Felipe. Do pensamento no deserto: Ensaios de Filosofia e Literatura. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.

- AQUINO. Santo Tomás. Exposição sobre o Credo. São Paulo: Edições Loyola, 2006.


(*) Roteiro da apresentação do Prólogo do livro "O saber dos antigos", de Giovanni Reale, apresentado na reunião do dia 3 de dezembro de 2014. Releitura do capítulo à luz do Livro do Gênesis.



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